quarta-feira, 31 de março de 2021

O TDAH E O REVERSO DO HIPERFOCO

Em dezembro de 2018 publiquei um post sobre a beleza de se observar uma TDAH trabalhando hiperfocada. 
Pois bem, a pandemia, a ganância e a obtusidade da elite brasileira usurparam o hiperfoco desta TDAH. Iniciou-se ali um processo que ainda não terminou, mas que desnudou toda a riqueza, complexidade e dificuldade que um portador - neste caso portadora - tem em libertar-se do hiperfoco.
Passada a perplexidade inicial, todos os sentimentos estão exacerbados nesse período de caos em que vivemos, esta portadora deparou-se com situações inusitadas em sua vida: eu sou alguém além daquele hiperfoco? Conseguirei desempenhar outra função em outro ramo de trabalho, em outra empresa, em outra realidade além do meu hiperfoco?
Assaltada pelo sentimento de inferioridade típico do TDAH e com as perspectivas reduzidas pela pandemia, o processo de renascimento parecia mais difícil e doloroso. E foi.
Todas as tentativas iniciais pareciam limitadas por aquela armadura de mais de uma década de hiperfoco. Qualquer dificuldade, qualquer pequeno revés típico dos iniciantes em qualquer área profissional era visto como incapacidade de viver fora daquele ambiente de hiperfoco. O que parece ser um benefício do TDAH se transforma em pesadelo e tortura quando se tem tolhido o direito de a ele se dedicar.
Mas TDAH que é TDAH não se entrega. Chora, sofre, se descabela, mas segue em frente. Muitas vezes parece inerte, mas borbulha freneticamente interiormente. Em meio à pendemia e à quarentena, essa TDAH começou a vislumbrar a verdadeira razão de seu hiperfoco: sua mente, sua inteligência, sua perspicácia, sua sensibilidade. Ainda que de uma maneira aparentemente tímida e titubeante essa portadora experimenta novos caminhos, se abre a novas experiências e todas se mostram frutíferas e bem sucedidas. Claro que os primeiros passos jamais são estrondosos, mas são sólidos e significativos. Descortina-se diante dessa TDAH a infinidade de possibilidades a que sua mente brilhante esta apta a exercer e, ao mesmo tempo, prova a ela que o hiperfoco de que tanto se orgulhava só era possível porque era ela. Centenas de outras pessoas antes e depois passaram pelos mesmos cargos, nenhuma delas com a mesma ascensão meteórica e o mesmo desempenho. Não é o hiperfoco que forma o TDAH, muito pelo contrário, o TDAH por suas características é que se hiperfoca naquilo que particularmente o interessa.
Ao se confrontar com sua capacidade de ser eficiente, eficaz e produtiva em qualquer área, nossa portadora descobriu que é muito maior que seu hiperfoco, pois se este gera produtividade, limita e restringe seu desempenho e suas possibilidades. Agora não, livre das amarras do hiperfoco ela está pronta para alçar voos jamais imaginados pela hiperfocada. Sem o hiperfoco ela está apta a experimentar novas facetas de seu TDAH: a criatividade, a infinita capacidade de se reinventar, de renascer e de reagir.
Os longos anos de hiperfoco toldaram-lhe a visão de um passado profissional rico e diverso e do qual ela mal se lembrava, assim como o futuro que se abre para uma mente brilhante e liberta.