Tenho 60 anos de idade e fui diagnosticado há dez anos. Quando soube que meus inexplicáveis comportamentos auto destrutivos tinham nome, sobrenome e tratamento, senti um enorme alívio. Imaginei que em alguns meses, ou na pior das hipóteses, uns poucos anos eu seria uma nova pessoa.
Ai, ai, nada mais enganoso...
Dez anos depois, centenas, talvez milhares, de comprimidos de Ritalina, dezenas de comprimidos de Ritalina L.A. e pouco mais de uma centena de cápsulas de Venvanse, o que posso dizer é que me debato com os mesmos problemas de antes. Memória péssima, desatenção, impulsividade, procrastinação, dificuldade com regras...
Mas, afinal de contas, o que mudou?
Quase tudo.
Em primeiríssimo lugar: hoje eu tenho consciência de tudo. Se não ajo para minorar ou sanar completamente o problema é por culpa minha. Claro que me perdoo se tento e sou derrotado.
A consciência do diagnóstico e sua aceitação são libertadores, mas aumenta nossa responsabilidade.
No que melhorei?
Procrastinação. Já não procrastino como antes, pelo menos em relação ao trabalho e coisas importantes. Me arrasto até a loja, me obrigo a fazer a tempo e a hora. Depois que quebra a inércia é fácil. O que fiz pra mudar? Me conscientizei de que se eu me forçar eu pego no tranco. E forço.
Variação de humor e ataques de fúria. Isso eu diminuí muito. Eu tinha crises súbitas de fúria que metia medo em quem estivesse ao redor. Algumas vezes estive à beira de fazer uma grande merda. Hoje me controlo muito mais. Essas crises graves são parte do passado. O que fiz? Comecei a me controlar quando percebia a crise chegando. Dizia pra mim mesmo: esse não é você, é o TDAH agindo em seu nome. Isso bastava para o ódio diminuir. Eu tinha momentos de um abatimento inexplicável. De repente uma tristeza profunda me abatia de tal forma que meus braços e pernas pareciam de chumbo. Isso acabou completamente. Quando as crises tentam me abordar eu penso:
Vade retro TDAH!!! Aqui não! Claro que isso só funciona se a crise não é provocada por motivos reais. Essa tristeza a que me refiro surge do nada, sem motivo ou explicação. Isso é do TDAH e, se não é meu, não preciso conviver com ele.
Organização. Sou outra pessoa hoje em dia. Meu lado do guarda roupas é bastante organizado, as gavetas idem... Minha mesa de trabalho ainda não alcançou o ideal, mas quem me conheceu antes do diagnóstico jamais imaginaria esse nível de organização que atingi. Mudei convivendo com pessoas organizadas e percebendo que a vida é muito mais fácil e melhor quando somos organizados. Assim como a procrastinação, me obrigo a fazer e pronto.
Impulsividade. Digamos que foi um pequeno ganho. Muitas das vezes consigo controlar, mas nem sempre. Ainda ajo por impulso e pago por isso.
Me lembro de participar de grupos de apoio aos portadores de TDAH em Juiz de Fora, organizados pela minha médica Dra Valéria Modesto, e uma das coisas que dizíamos é calarmo-nos por 5 segundos antes de falar ou fazer algo. Esses 5 míseros segundos nos impediria de fazer grandes besteiras.
É isso. Funciona. O diabo é que muitas vezes nos lembramos depois de acontecido. Mas seguimos na batalha.
Memória, desatenção e tempo, creio ser meus maiores problemas. Ainda não consegui nenhum suporte, ideia, ajuda ou sei lá o que seja, que realmente funcione.
Os idiotas da objetividade dizem: Anota!!!! Meu Deus, como não pensei nisso? Que ideia magnífica! Só uma pergunta: quem vai me lembrar de anotar? Desatenção! No meio de algo sério e importante voo para a estratosfera. Pode ser o que for, aonde for, com quem for. De repente escapo.
E perco muito com isso. Muito mesmo.
E o tempo? Ah o tempo... Nada mais mágico e inexplicável... Como aqueles trinta dias que me pareciam tão distantes chegaram em apenas um mês? Ontem parecia tão distante... Uma das únicas coisas que aprendi e que me ajudam é colocar o despertador do celular para tocar de hora em hora no período do trabalho. Isso é ótimo, se estou viajando na maionese e toca o alarme das dez horas caio na real e volto ao trabalho.
De resto, o TDAH é uma batalha para a vida toda. E não é uma batalha diária, é uma batalha a cada minuto, a cada segundo, sem trégua. Parece muito?
E é muito, mas se não fizermos nada, acumularemos derrotas em sequência para o TDAH. E ele sabe deixar suas marcas em nossas vidas.
Estou há quase 1 ano sem tomar ritalina ou venvanse. Meu médico faleceu no final do ano passado, não procurei outro médico, e como eu ja havia terminado a faculdade, não vi necessidade de continuar com medicação. Eu fazia tratamento desde 2007. Ultimamente eu estava tomando venvanse, e esse remedio é caro demais, por isso resolvi dar uma parada.
ResponderExcluirAcho que vou voltar com o remédio ano que vem. Eu era uma pessoa mais feliz medicada, é como se o remédio me desse mais "coragem e animo" pra enfrentar a vida.
TDAH não tem cura e os medicamentos, em geral, melhoram nossa performance diária, principalmente profissionalmente. O preço do VENVANSE é absurdo e, no meu caso, não gostei do resultado.
ExcluirUm abraço
Olá Alexandre! Descobri seu blog através da publicação de 5 de fevereiro de 2011 (CONVIVER COM UM TDAH VALE A PENA?), pois precisava ler algo sobre como conviver. Sou casada há 3 anos, porém através da minha terapia, a profissional que me acompanhava sugeriu que meu marido procurasse um diagnóstico médico, pois pelo comportamento que ele apresentava em nosso relacionamento, ele poderia ser TDAH. Enfim, há 1 anos atrás ela me sugeriu procurar ajuda para ele, em agosto de 2021 eu marquei o neuro (que foi quando ele decidiu que deveria procurar ajuda médica), ele fez alguns exames e conversou com um profissional. O diagnóstico foi de TDA. Ela já incluiu Ritalina no dia a dia de alguém que mal toma medicamentos normalmente. OK! Após a 2ª/3ª consulta, ela o encaminhou a psicóloga (simplesmente para lidar com perdas, já que ele esteve passando por situações no trabalho). Resumo: Em nenhum momento, quem convive com pessoas que possuem TDAH são lembradas. Vejo muitos comentando sobre a empatia e paciência que devemos ter com quem possui o transtorno, mas não há suporte e ajuda a quem convive com eles. Tenho minha profissão, já desanimei horrores até com relação a minha própria vida e EU, sequer tenho alguém do meu lado que se importa comigo com relação a saúde, sonhos e metas, quem dirá em me entender e perceber que tenho problemas e necessidades como qualquer outro ser humano (como tenho que fazer com ele desde sempre). Seu texto e blog são ótimos, você ajudaria muitas pessoas escrevendo e falando mais sobre o assunto que você domina e vive (entendo que não são todos que tem tempo e disposição para isso). Confesso que estou TOTALMENTE DESANIMADA! Sou jovem, não aguento mais abdicar da minha vida, para viver em função de alguém que sequer parece se importar e querer mudar. No fim, meu comentário, além de um elogio a sua página, é também um desabafo de uma esposa que não sabe mais o que fazer. De qualquer forma, parabenizo você pelo esforço e força de vontade em querer melhorar por você e acredito que pelos que convivem contigo. Admitir e reagir faz muita diferença no processo! Fica com Deus! Abraço!
ResponderExcluirComo TDAH gostaria de dizer que fique, que vale a pena lutar por quem se ama, como ser humano não tenho tanta certeza. Posso lhe afirmar uma coisa, apesar de parecer não se importar com você, ele se importa, mas sua condição mental o enredar em si mesmo que não sobra muito tempo pra amar ou demonstrar amor. Apesar de explicar, isso em nada minora sua sensação de abandono. Não o conheço para poder ajudar (e também não sou psicólogo pra me meter nisso) mas sugiro que tenha uma conversa franca com ele. Mostre exatamente o que você sente e o cansaço que é investir em algo que não tem retorno. Se esse chacoalhão não resolver, nada resolverá e você se sentirá liberta da 'obrigação' de cuidar sozinha desse casamento.
ExcluirContinue escrevendo oq vc sente... tem me ajudado muito a compreender meus sentimentos inexplicáveis...
ResponderExcluirGratidão
Te confesso que não ando nada animado em continuar escrevendo sobre um mesmo assunto e que, na verdade, anos se passaram e pouca coisa consegui de fato superar. Mas prometo me esforçar.
ExcluirO TDAH tem um funcionamento que até então ninguém comentou e é simples o mecanismo dele. É como "só sei que nada sei" - Problema é que para chegar nessa conclusão, foi uma vida inteira de conhecimento.
ResponderExcluir- Possivelmente só qm tenha entenderá.
-> Sabe pq vc fica desatento, se perde nos seus pensamento, e acaba tudo por achar desgostoso?.. Uma vida assim, né... É simples.
-> Cérebro de qm tem TDAH é deficitário em dopamina, fisicamente. O próprio cérebro para contornar essa deficiência pelos pensamentos [imaginário/só no campo das ideias] com pensamentos prazerosos ou diminutivos do desprazer.
-> Só nos atentamos ao resultado, que é a desatenção, a nossa psique é que tenta corrigir, aí vem a impulsividade, pensamentos aleatórios, imaginação do passado, presente, futuro, inexistente, existente, ou seja, é essa a forma que a psique encontrou para corrigir a deficiência.
--> Solução: Além do remédio [aceita que dói menos] é o momento do gatilho que há anos está aí e não nos damos conta, os pensamentos!
Saiba que, o pensamento que vc está tendo agora é uma mera correção do seu cérebro para não ficar TÃO ruim, então ao se pegar em pensamentos BONS AGRADÁVEIS, é meramente seu cérebro há anos fazendo o máximo dele para minimizar.
-> Ao desativar esse "gatilho" (que é o único aos portadores) 90% da desatenção, pega diretamente na psique, te ajudará. E com remédio, terá uma vida extremamente produtiva e feliz.
- Um exemplo? Pense agora! emuma serra gaúcha, vc com dinheiro, alguém que te ama de vdd, dirigindo seu maravilhoso carro passando um delicioso final de semana.
= A partir de agora seu cérebro vai pensar isso umas 50x ainda, pois ele sabe que ao fazer isso reduzirá o descompasso da falta de dopamina, pois isso trará um pequeno alívio.
:-)
Brilhante seu comentário e seu diagnóstico preciso é certeiro. Merece um post. Ou uma sequência de posts. A única pergunta que lhe faço é : como suprimir esses pensamentos?
ExcluirComo impedir esse banho de dopamina em realidades de derrota e frustração?
Como manter a mente focada na vida prática e objetiva quando tudo o que você conseguiu na vida foi sobreviver?
Como olhar para seus contemporâneos de sucesso e, sabendo-se melhor preparado, conviver com o próprio fracasso?
Se souber como nos ajudar a conviver com nossas realidades sem nos afogarmos no arrependimento e frustração, por favor nos ajude, é tudo o que sonhamos.
Estou para lhe dizer que tenho um mapa completo de como sou, como age o TDAH em mim, o que fazer para diminuir sua influência, mas não consigo agir efetivamente contra ele. Sei que não devo viajar no trabalho, mas o faço sem perceber. Sei que preciso do medicamento, mas minha mente me convence de ele é ineficaz. Sei que não posso me esconder nesses pensamentos idilicos e fora de hora, mas como sair de lá se é lá que eu vivo?
Feliz ano novo Alexandre!
ResponderExcluirSou leitora há muitos anos do blog, sei que você está meio desanimado em escrever por aqui ( eu acho, espero estar errada ), mas nunca abandone o blog, você escreve muito bem.
Próximo ao Carnaval também te desejo um feliz ano novo. Realmente ando desanimado, não sei se ainda tenho o que dizer sobre o mesmo assunto após dez anos escrevendo. Mas não pretendo abandonar definitivamente, quando o tema me incomodar, escrevo.
ExcluirObrigado pela força.
Eu sou muito grato por tudo que já li no seu blog. Ja procurei muitas fontes, artigos, livros, palestras, vídeos mas, nenhum chega perto da realidade que você mostra com seus textos. Independente da frequência que voce vem postando é sempre de grande valia poder ter acesso ao arquivo e também os textos mais antigos. Muito obrigado!
ResponderExcluirPor esse tipo de retorno é que ainda não desisti definitivamente do blog. Não é muito fácil escrever dez anos seguidos sobre um único tema, vai cansando, ficando repetitivo, temo que fique chato...
ExcluirMuito obrigado pelo retorno e pelas palavras animadoras.
Um abraço!
Alexandre, tenho um filho adolescente com TDAH, acabei de descobrir seu blog, que está me ajudando muito a compreender os processos dele. Você escreve maravilhosamente.
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