terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
EU, CALVIN,A ÁRVORE E O TDAH...
Muitas vezes, me sinto como o Calvin das tirinhas e seu tigre Hobbes (Haroldo no Brasil). Aos 50 anos continuo dando vida a coisas inanimadas e realizando debates com elas ou entre elas.
Este é um artigo que surgiu por si só. Estava eu retirando umas roupas lavadas da máquina quando percebi que enchi o dispenser de sabão e amaciante mas esqueci de fechá-lo. Ou seja, a máquina lavou sem sabão. Naquele exato instante pensei, essa máquina deve estar pensando que eu sou doido. Ri sozinho e completei: e sou mesmo. Tenho essa mania, imagino reações humanas a objetos; computadores, carros, tvs e agora máquina de lavar roupas. Em geral isto surge como uma crítica a meus erros ou comportamentos erráticos. O computador e o carro são meus principais 'interlocutores'. Fico imaginando que eles não concordam com determinadas atitudes, ou ações minhas e eu contra argumento, tento provar minha razão. Meu carro às vezes me repreende: seu idiota, esqueceu como passa a marcha? Estou de chinelo, você não viu?, respondo eu. E assim vamos levando a vida, eu e meus objetos animados.
De vez em quando, quando estou vagando pela madrugada, se vejo alguém que considero suspeito, ou em atitude suspeita, logo me vem a mente como devo me comportar. Será que devo tentar memorizar algum detalhe diferente desta pessoa? Para o caso de precisar dar um depoimento. Se amanhã sair no jornal algum caso policial nessa região devo ligar para a polícia e denunciar este suspeito?
O tempo passa, o 'suspeito' desaparece na noite e eu sequer me lembro de ver no jornal se existiu o tal crime naquele local e naquela data. Foi só uma viagem a Hogwarts. Normal.
Há cerca de seis meses, fui passear na Serra do Rio de Janeiro (bem antes das chuvas), na estrada que liga Teresópolis a Nova Friburgo havia uma árvore caída com parte da copa sobre o asfalto. Imediatamente começou a brotar em minha mente a história de vida daquela árvore morta. Em primeira pessoa, a história era mais ou menos assim: nasci no meio de enormes e frondosas árvores. Desde cedo descobri que sobreviver seria uma tarefa muito difícil. O sol quase não atingia minhas folhinhas pequeninas e meu caule magro e descorado. Fincar minhas raízes naquele chão duro era muito, muito difícil e doloroso. Mas eu nunca me entreguei. Esticava meu caule até onde os últimos raios de sol chegavam e aproveitava cada gota de chuva que caía de minhas gigantescas vizinhas. Logo, logo, eu já estava visível. Atingira uma altura que as outras árvores podiam me notar. Magrinha, raquítica, mas uma vencedora. Quando se é visto, toda a mata colabora para o seu crescimento. Minhas enormes vizinhas passaram a se esforçar para que o sol me atingisse, ao mesmo tempo que impediam que os fortes ventos castigassem meu magro tronco. Com todo esse auxílio cresci e atingi alguns metros de altura, mas sempre magrinha e com raízes pouco profundas. Sentia-me segura e tranquila tendo ao redor minhas protetoras. De repente, comecei a sentir o vento mais intenso em meu troco e minhas folhas, à medida que o tempo passava a sensação do vento - e também do sol - eram mais intensas. Comecei a perceber que a mata ao meu redor escasseava. Árvores enormes eram cortadas e, pouco a pouco, meu frágil tronco ia ficando cada vez mais exposto. Enfim, aconteceu o que eu mais temia; a época das chuvas começou e eu estava quase sem nenhuma proteção ao meu redor. As primeira tempestades foram intensas, muito vento, muita água, mas eu me mantive firme. Até que um dia, uma gigantesca tempestade se formou sobre a mata, ventos terríveis dobravam meu tronco, a cada nova rajada eu sentia minhas raízes se abalarem, se desprenderem do solo encharcado. Sabia que estava acabado. Eu não suportaria. A chuva desabou de forma inclemente, o solo empapou-se transformando-se em lama. Eu sentia a instabilidade de minhas raízes sob a lama. O golpe final não tardou, uma enorme rajada de ventos me atingiu em cheio; sem proteção externa, sem o solo firme para me sustentar, tombei. Senti-me arrancada do solo e atirada em direção a um piso duro, duríssimo como jamais havia sentido. Minhas folhas se desprenderam e rolaram pelo chão. Sentia a chuva forte lavando o que restava de mim. De tempos em tempos luzes fortes iluminavam-me para sumir em seguida. Imaginei que eu caíra na estrada, uma construção que fora a responsável pelo corte das árvores que me protegiam e agora pelo meu fim. Minhas raízes expostas, quando parar de chover não vou ter como sobreviver. O sol vai me pegar em cheio... Vou secar aos poucos... lentamente....
A chuva diminuiu, o dia começou a amanhecer... eu que gostava tanto do amanhecer, agora me encho de medo diante dele. O sol...está surgindo...eu que tanto busquei seus raios... o sol... está esquentando...
Dirigi alguns quilômetros em silêncio imaginando a vida dessa árvore. Minha esposa me perguntou o que eu estava pensando. Como resposta comecei a narrar a história que imaginei para aquela árvore caída sobre o asfalto. Ao pensar, vejo-a caída ao chão com a copa parcialmente sobre o asfalto. Minha esposa ficou perplexa com essa capacidade de criar algo num átimo, numa fração de segundo. Quando me recordo, lembro-me de ter sentido uma certa pena daquela árvore. Pensei em por que ela não havia conseguido resistir. Daí para toda a história foi um pulo.
Seis meses depois, essa historinha ficou na memória por ser a primeira vez que contei a alguém o que me passa pela cabeça. A surpresa da Jaqueline também serviu para marcar o conteúdo desta história.
Assim é minha mente. Assim sou eu.
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