sábado, 19 de maio de 2012
LEMBRANÇAS HIPERATIVAS
Hoje pela manhã, eu e meu pai observávamos um menino se divertindo com bolinhas de sabão.
Meu pai comentou gostar muito dessa brincadeira, e realmente é muito legal, é bonita, voa, faz piruetas ao vento, é colorida, enfim...
Aquela cena remeteu-me à minha infância; no distante ano de 1969 - se não me engano - meus pais acharam por bem alugar uma casa com quintal para que os filhos tivéssemos mais liberdade para aproveitar a infância.
A casa tinha um ótimo quintal, com galinheiro, canteiro de verduras, algumas plantas ornamentais e um mamoeiro. O mamoeiro, aliás, era uma das meninas dos olhos da proprietária da casa. Somente na minha adolescência soube que quando alugou a casa, a senhora recomendou cuidado com o mamoeiro cujos frutos eram verdadeiros favos de mel de tão doce.
Recém chegado à casa, eu adorava aquele quintal e explorava-o com um fascínio inesgotável. Certo dia eu e um amigo decidimos fazer bolhas de sabão. Improvisamos alguns canudinhos mas nenhum deles era eficiente. Já conhecedor das riquezas daquele quintal, levei meu amigo até o mamoeiro que certamente poderia nos oferecer ótimos canudos com seus talos ocos.
Mas que diacho, a peste do mamoeiro era muito alto; fizemos uma escadinha, tentamos subir em algumas pedras, e nada! Parecia impossível de alcançar; apenas parecia.
Como um raio, uma ideia brilhante apossou-se da minha mente. Da ideia ao ato apenas alguns segundos se passaram, tão breves que ninguém conseguiu impedir-me. ZAZ, com dois ou três golpes de machadinha o MARAVILHOSO mamoeiro estava no chão. Todos aqueles talos perfeitos estavam a nossa mercê; escolhemos dois ou três que nos pareceram melhores e fomos brincar.
Ah, mas esses adultos são mesmo muito chatos, mal começamos a brincar e a empregada descobriu o mamoeiro no chão e veio correndo atrás de mim:
- Alexandre, você é doido? Sua mãe vai te matar! Como é que você derrubou o mamoeiro da D. Sofia?
Não me lembro o que respondi, mas lembro-me do medo prévio que senti imaginando a surra que viria quando minha mãe chegasse.
Desnecessário dizer que , em uma fração de segundo, meu amigo desapareceu.
A surra não tardou muito, mal minha mãe tocou a maçaneta da porta de entrada a Maria Inês - a empregada - foi denunciar-me:
-D. Suely, o Alexandre cortou o mamoeiro da D. Sofia!
- O quê? Cortou como?
-Cortou, D. Suely, derrubou o mamoeiro no chão!
Não havia nada que eu pudesse fazer para minimizar ou esconder o mal feito, um tronco de uns dois metros de comprimento jazia no chão do quintal.
Uma chuva de chineladas caiu sobre mim, entrecortadas por impropérios, vitupérios e admoestações diversas.
Fiquei de castigo por um tempo que me pareceu interminável.
Muitos anos depois, quando esse caso já tinha virado folclórico na família, eu soube que minha mãe durante alguns anos comprava mamões no supermercado e levava para a dona da casa como se fossem do seu mamoeiro querido.
Quando deixamos a casa uns três ou quatro anos depois o mamoeiro havia crescido e se recuperado.
Infelizmente não me recordo de haver comido seus maravilhosos frutos. Se comi, não me marcaram tanto assim o que justificou o seu uso na minha brincadeira, afinal, o prazer das bolinhas de sabão não se comprava em nenhum supermercado, ao contrário dos mamões.
quinta-feira, 17 de maio de 2012
O TDAH E AS FALSAS AMIZADES
É impressionante a quantidade de emails e comentários que recebo de adolescentes reclamando do isolamento, do retraimento e da dificuldade de fazer e manter as amizades, e mais ainda, conseguir namoradas ou namorados.
Mais do que na idade adulta, ser aceito pelo grupo é fundamental para os adolescentes. E a adolescência é um período muito cruel na vida de todos nós. É comum que o grupo realce as piores características de seus membros; seja a orelha de abano, o andar engraçado, a gagueira, ou o TDAH.
No nosso caso, o complexo de inferioridade torna essas gozações mais doloridas e humilhantes
Os portadores de TDAH reclamam que e os 'amigos' dão cortes e ridicularizam a dificuldade que muitos tem de manter o foco numa conversação.
É claro que cada caso é um caso, mas até hoje me perco nas conversas quando existem mais pessoas ao meu redor. Capto facilmente as conversas paralelas e se elas estão mais interessantes do que a conversa do meu interlocutor, embarco no papo do vizinho e, muitas vezes, deixo meu interlocutor falando sozinho.
O que fazer é a pergunta mais frequentemente feita no blog.
Avalie a real gravidade da situação, é realmente uma situação de agressividade e humilhação ou você está apenas criando tempestade em copo 'água?
Se a conclusão que você chegou é que o comportamento de seus amigos é real e agressivo troque seus amigos. Ninguém deve se submeter ao ridículo em troca de atenção, e falsa atenção, diga-se de passagem. Quem gosta não humilha, não ridiculariza.
Se seus 'amigos' te humilham, substitua-os por outros. Frequente novos ambientes, conheça novas pessoas, certamente você irá encontrar pessoas que gostem de você de verdade, que enxerguem tudo o que você tem de bom e não apenas sua dificuldade de se expressar ou de manter um foco permanente em uma conversa.
Não permita que o sentimento de inferioridade tão comum em nosso comportamento de TDAH o transforme em um ermitão, um sujeito entristecido enfurnado em casa por medo da reação das pessoas.
Você sabe que o TDAH nos deixa com esse sentimento de inferioridade, com essa sensação de que fazemos tudo errado e estamos sendo julgados- e reprovados - por todas as pessoas com quem interagimos.
Se você sabe disso, você pode reagir, você deve reagir. Não se afunde no medo, levante a cabeça e afaste - se daquelas pessoas que nao lhe fazem bem. Mude de ares, mude de vida, mude de amigos. Você é o dono de sua vida, de suas atitudes e decisões e cabe a você decidir se vai aceitar esse estado de coisas ou conviver com quem merece sua companhia.
Pare de aceitar qualquer coisa, tome as rédeas de sua vida e dirija-a ao infinito e além.
Ps.: pra coisa não ficar muito ruim pra você, mantenha seus olhos fixos em seu interlocutor, tente aparentar interesse pelo que ele fala, mesmo que seu pensamento esteja longe. Se sua mente escapar muito peça desculpas e retome o fio da meada, se você tem intimidade com a pessoa, compartilhe com ela sua viagem mental, pode ser até divertido.
Agora, se você fizer o tratamento corretamente, um dia essas estratégias podem fazer parte de suas memórias e você ainda vai rir muito delas.
quarta-feira, 2 de maio de 2012
DE NOVO, O RETRAIMENTO DO TDAH
Tem sido recorrente no blog os comentários de adolescentes - principalmente homens - que sentem dificuldade de relacionar-se com outras pessoas. Particularmente as meninas.
Sabemos que o TDAH tem como uma de suas características o isolamento de seus portadores; focamos em nossos defeitos, em nossas falhas e acabamos nos sentindo inferiores, desqualificados e insuficientes.
O resultado disso é um monte de gente se retraindo pois teme ser ridicularizado por suas falhas de memória, desatenção e sentimento de inadequação.
Em primeiro lugar, tratar-se. O tratamento medicamentoso com suporte de coaching ou psicológico é o caminho mais rápido e eficiente para solucionar esses problemas. Mas existem atitudes que podem melhorar esses sentimentos.
Crie estratégias de convivência. Outro dia, numa troca de comentários nesse blog um portador sugeriu a outro que malhasse. Ter um corpo malhado e saudável atrai garotas e acaba virando assunto com os amigos e conhecidos de academia e escola. O que você fez para ganhar toda essa massa, qual sua alimentação, qual sua carga, etc, etc. Você acaba tendo assunto. Outro sugeriu a dança. Dance bem, destaque-se como bom dançarino e você chamará a atenção. Aprofunde-se sobre um assunto que você goste, música por exemplo, vai fazer teatro, aprender street dance, seja um ás do vídeo game, diferencie-se e chame a atenção sobre si.
Outra coisa importante, se seus amigos não te aceitam como você é ou gozam a sua cara por seus lapsos de memória, troque de amigos. Mude de tribo. Lembrei-me agora de um caso extremo mas bastante ilustrativo; tenho uma prima com uma séria deficiência auditiva. Por mais de 30 anos ela viveu semi reclusa, convivendo quase que exclusivamente com a família. Sei lá por que, ela resolveu fazer um curso de Libra ( aquela linguagem de sinais). Esse curso mudou sua vida. Ali ela conheceu várias pessoas com deficiências semelhantes, mas que levavam vidas completamente diferentes, com muito mais perspectivas e prazer. Isso tem uns oito ou dez anos. Hoje ela trabalha, namora, viaja com os amigos; nasceu pra vida. Eu nunca imaginei que existissem empregos para quem tem deficiência auditiva, ela trabalha numa malharia numa área com muito ruído, só com pessoas deficientes auditivas. Pois é, há mercado pra tudo nesse mundo.
Não podemos simplesmente abaixar a cabeça e deixar o TDAH tomar conta da gente.
Pense se seus amigos, são mesmo seus amigos.
Pense se você só é isso mesmo que você enxerga.
O principal é tratar-se, amar-se e querer mudar sua vida.
Quando eu leio um comentário no meu blog eu fico feliz: essa pessoa está procurando um caminho, está se enxergando. Isso é uma luz no fim do túnel, penso eu.
Foi assim que comecei, pesquisando, aprendendo sobre o TDAH. Mas fui atrás de ajuda, procurei a Dra. Valéria Modesto que me ministrou a ritalina e apresentou-me ao coaching, através da Luciana Fiel e elas mudaram minha vida.
Procure ajuda, médica, psicológica, amiga, fraterna, você vai descobrir que não está só. Somos muitos, muito intensos, muito criativos e podemos ser grandes amigos, amantes e parceiros. Basta que queiramos.
PS.: Atenção, ficar sarado é fazer exercícios, malhar, suar a camisa. Se você optar por tomar bomba, pode ser que muito rápido você esteja rodeado de gente; em seu velório. Nós TDAH temos o péssimo hábito de querer tudo pra ontem e pelo caminho mais fácil.
terça-feira, 1 de maio de 2012
AS DERRAPAGENS MENTAIS DE UM TDAH
Já disse em outros posts que em tudo na vida tenho gostos muito restritos e até mesmo, digamos, muito particulares. Uma desses gostos é o de dirigir ouvindo rádio, mas como gosto de pouquíssimos estilos musicais, as rádios quase nunca me satisfazem ; acabo optando então por ouvir a rádio AM. Quase não tem música, um blá blá blá sem fim, uma falação boba e sem nenhuma utilidade, na maioria das vezes, que não me exige concentração no que dizem (que poderia tirar minha atenção da direção) e me servem de companhia quando estou só. Se entra alguma música indesejada mudo de estação ou desligo por alguns minutos.
Hoje aconteceu algo interessante e divertido, estava eu dirigindo e sintonizei a rádio Globo AM e naquele instante era apresentado o programa do Padre Marcelo. Não sou católico e nem tenho nenhuma simpatia especial pelo padre Marcelo, mas na hora em que sintonizei ele falava sobre a história da vida de São Cristóvão e as razões pelas quais ele fora escolhido como o padroeiro dos motoristas. Dali há pouco ele começou uma oração em favor dos motoristas de maneira geral e ao final dessa oração iniciou uma música.
Em 99,9% dos casos essas canções religiosas são muito fracas em letras e músicas e essa não era diferente, falava sobre a história de um coxo que pedia esmola e seu encontro com Pedro, que afirmou que não tinha ouro ou prata mas ordenou que o coxo levantasse e andasse em nome de Jesus. Nesse momento, eu que vinha acompanhando a letra da música (bem primária por sinal) emocionei-me imaginando aquela cena: um mendigo aleijado sendo erguido e curado por Deus através de Pedro. E o refrão se repetiu uma ou duas vezes, foi o bastante para o fim do clima. Logo, logo, a imaginação do TDAH entrou em ação e quando o cantor repetiu que Pedro disse ao coxo: levanta e anda em nome de Jesus, eu logo pensei: bonito se ele falou isso e o coxo levantou, saiu correndo e caiu na farra. Imaginei um sujeito em andrajos, imundo, barbado, correndo e gritando de felicidade por estar andando e caindo na vida, esquecendo-se de tudo por que passou e quem o curou.
Essa viagem foi longe e não sei mais como terminou a música ou o programa, dali pulei pro TDAH, deste pra chuva que caía, se eu deveria ou não deixar na loja a máquina de café, etc, etc.
Desnecessário dizer que caí na risada quando percebi a enorme derrapagem mental que tive. Claro que contado aqui não tem graça nenhuma, mas a imagem do mendigo dando no pé na minha cabeça foi muito engraçada. Destruiu o clima que se armava na minha alma, no meu coração. Na hora pensei se havia tomado minha ritalina, e havia; ou seja, nem ela segura totalmente as viagens mentais do TDAH.
E isso abre uma outra questão: se bem administrada, na dosagem apropriada, a ritalina não transforma ninguém em robô. Creio que nos casos em que há essa reclamação existe uma super dosagem ou uma posologia inadequada. Na minha vida, com a minha experiência pessoal, a ritalina não alterou minha personalidade, ela melhorou minha qualidade de vida, minha concentração e em um ano de tratamento com ritalina eu produzi, se não me engano, 188 posts nesse blog, escrevi uma meia dúzia de contos, desenvolvo uma nova profissão e preciso ter pulso firme para controlar minha imaginação.
A ritalina não dopa ninguém, não troque de remédio, troque de posologia, concentração ou de médico.
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