domingo, 24 de agosto de 2014

TDAH: TEMOS UM DOM?





Dádiva. Presente recebido... de Deus!
Sim, talvez seja...
O dom do reverso. De enxergar a vida às avessas...
Cultivamos o dom de uma criatividade ilimitada, que borbulha em nossa mente de tal maneira incontrolável que atravessamos a vida acreditando que em algum momento seremos reconhecidos...
O dom de nos atermos à beleza do vermelho vivo do sangue que brota e não à dor que sentimos ao nos atirarmos pela enésima de vez de abismos e precipícios...
O dom de caminharmos sobre os escombros de nossas próprias vidas; impávidos; indiferentes; incólumes; e absolutamente prontos para a próxima queda; tão certos estamos de nossos infinitos reerguimentos.
O dom de nossa multiplicidade.  Multiplicidade de empregos; de amores; de recomeços; de objetivos; de fracassos; de tentativas...
O dom da amnésia. Não, não são essas pequenas e risíveis falhas de memória. O dom da amnésia consiste em esquecer as dores passadas; as derrotas passadas; os aprendizados passados e encarar cada dia como algo absolutamente novo e desconhecido...
A alma aventureira também é um dom. Gostamos de aventurarmo-nos. Esportes radicais são para os fracos. Aventuramo-nos com nossa própria vida; nosso presente, nosso futuro. Saltamos da modorra de uma embarcação segura para as delícias de corredeiras incontroláveis. Ah a adrenalina de uma vida inteira em risco...
O dom da visão de raio x. Ah coitados... Onde eles enxergam a dor e a destruição, nosso dom nos mostra o renascimento, o inusitado, o indomável; o inconquistável...
Cultivamos nossos defeitos com a dedicação e a disciplina dos obcecados mas vivemos, na verdade, de nossas superações.
Nosso dom não é a criatividade, mas de sobreviver à ela. De não permitir que ela nos afogue em imagens incontroláveis. Nossa memória ruim é uma dádiva que nos permite esquecer o que sofremos, dando à nossa alma a força dos que desconhecem o perigo e o sofrimento. Nosso dom está em rirmos de nós mesmos, de discutirmos abertamente nossa doença usando imagens de desenhos animados, filmes, músicas e toda a sorte de infantilidades que existem no mundo.
A vida é leve pra quem enxerga às avessas. Não é o objetivo, é o caminho. Não são as escolhas que importam, mas a  possibilidade do desconhecido. Não é a dor de um corpo que cai no solo, mas a delícia do vento nos cabelos durante a queda.
Isso é dom. Dádiva. Presente de Deus.
Aos 'trouxas' resta chorar as dores de uma mente vazia, linear e sem graça...

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O TDAH QUE FALA BALEIÊS





Sim, eu quero falar baleiês!
E quero o direito de esquecer, ou não me lembrar, sem dor.
Sim, e quero seguir a correnteza do TDAH e ir aonde ela me levar.
Quero rir de mim mesmo; quero me olhar no espelho sem culpa; quero parar de me acusar, ou de me arrepender.
Sim, eu quero falar baleiês!
E quero que as pessoas me entendam. Quero poder falar do meu TDAH sem que as pessoas desconversem.
Quero deixar de ser um problema, e passar a ser uma alternativa.
Quero passar a mão sobre meu corpo e ver as cicatrizes desaparecerem suavemente.
Sim, eu quero falar baleiês!
E quero muitas Dorys ao meu lado.
Quero que minha memória falha deixe de ser folclórica ou tragicômica, para ser apenas um momento normal na vida de seres humanos falhos. Como todos são.
Quero que o TDAH deixe de ser um rótulo, para ser um direito.
Sim, eu quero falar baleiês!
E quero renascer a cada queda, e ter ao meu lado quem me apoie e me ajude.
Quero poder ser eu mesmo, em casa, na escola, no trabalho, sem ter que me esforçar para encobrir as falhas que denigrem minha imagem.
Sim eu quero falar baleiês!
E quero parar de ter minha vida e minha conduta pautada pelos 'trouxas', que nada sabem de TDAH, que nada sabem de dor, que nada sabem de quedas, que nada sabem de renascimento.
Sim, eu quero falar baleiês!
E quero que o mundo me respeite.
Quero não, exijo!


domingo, 3 de agosto de 2014

ESTATUTO DO TDAH




1- Fica decretado que todo TDAH têm direito ao silêncio, ao recolhimento e à tristeza sem ser questionado.

2 - Fica reservado ao TDAH o direito de mudar de ideia, de caminho, de vida...

3 - É dado ao TDAH o direito a devaneios, elucubrações, sonhos e pensamentos delirantes a qualquer hora, a qualquer dia, em qualquer lugar.

4 - Fica decretada a extinção completa e absoluta da necessidade de decisões e atitudes imediatas por parte dos portadores de TDAH.

5 - É absolutamente proibida a definição de espaços, gavetas, armários, escaninhos, latinhas ou caixinhas para que o TDAH guarde seus objetos. Ou suas ideias. Ou sua vida...

6 - A partir desta data está descartada a necessidade do portador de TDAH aprender com seus próprios erros. Cada situação poderá, e será, encarada como absolutamente nova e original.

7 - É direito inalienável do TDAH a conquista do fracasso.

8 - É proibido divergir de um TDAH quando o mesmo afirmar ter certeza de algo.

9 - Fica decretada a desimportância dos detalhes valendo a vida do TDAH por seu entendimento generalista.

10 - É direito inalienável do TDAH exercer a preguiça em toda a sua plenitude e em todas as suas formas.

11 - Ficam extintas as retas. As curvas, voltas e retornos, passam a ser os melhores atalhos na vida.

12 - É garantido ao TDAH o direito ao isolamento sem que isso se transforme num fardo.

13 - O direito ao esquecimento se sobrepõe a todos os artigos dessa declaração.

Artigo final:
Fica decretado que todo portador de TDAH possui capacidade infinita de reerguimento. A cada renascimento surgirá uma pessoa nova; sem memória, sem experiência, sem cicatrizes, pronta para novos reveses e novos reerguimentos.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

TDAH: OS GRILHÕES MENTAIS DA PREGUIÇA





Só quem tem TDAH sabe o que é ser acorrentado pela preguiça.
Uma enorme tortura mental que paralisa, acorrenta, e impede a ação.
A mente de um TDAH é pantanosa, um enorme lodaçal de emoções e medo. Sim, medo. A preguiça no TDAH não é aquela clássica de não querer fazer nada. Não, em absoluto. A nossa preguiça advém de uma série infindável de pensamentos tortuosos e projeções negativas do que vem pela frente.
Se o que se avizinha é uma festa, logo imaginamos o ambiente tumultuado, barulhento, cheio de gente das quais não gostamos, assuntos chatos e inconvenientes. Se é trabalho, sempre imaginamos que não obteremos o efeito desejado, ou ainda que se o fizermos o chefe não vai reconhecer, ou simplesmente não saberemos executar com a perfeição devida.
Ou seja, criamos um medo do futuro.
Imobilismo é segurança.
Mover-se é o desconhecido, é a exposição, é o risco.
As vezes, a preguiça nos impede de fazer gestos mínimos, de dar passos minúsculos. Quem está de fora riria se soubesse o que deixamos de fazer por preguiça. Não é a preguiça física. Não, nossa mente boicota aquela ação, torna-a desnecessária, maçante.
Nesse exato momento, sobre a minha mesa, jaz um celular que molhou e não tem mais conserto. Preciso devolve-lo ao dono ( a quem já comuniquei ser insolúvel ) e já o montei. Na pressa, deixei de encaixar um alto falante na carcaça e acabei de me deparar com ele. A primeira reação? Dane-se, o celular não tem conserto mesmo...
Mas aí entra o combate à preguiça: Deixa nada, isso faz parte do celular e deve ir com ele. Devo perder de cinco a dez minutos para coloca-lo no lugar. Tenho que fazer. E farei.
Nossa mente forja motivos para não fazê-lo. Mas a consciência da doença deve arrebentar esses grilhões.
A procrastinação sofre do mesmo processo.
Os adiamentos se dão em função de projeções mentais de que aquilo que deveríamos fazer é chato, inconveniente ou vai trazer prejuízo, dor, perda... Mas nada é, necessariamente, real. Na maioria das vezes é pura criação de nossas mentes.
Nossa vocação para a auto mutilação, auto punição, é uma grande aliada da procrastinação. Quantas vezes sabemos das prováveis consequências nefastas da postergação, mas empurramos com a barriga e corremos o risco. E pagamos o preço por isso.
Preguiça, procrastinação, medo, paralisia...
E ainda dizem que TDAH é invenção...