quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
O TDAH E A FINITUDE
Tudo na vida é finito.
Menos para o TDAH.
Sempre me surpreendo quando as coisas acabam. Hoje não foi diferente. Tomo pela manhã um comprimido para controlar a pressão. Até que não é muito alta, mas a doutora mandou eu obedeço.
Pois bem, a alguns dias encontrei no meu criado um envelope cheio do remédio. Achei ótimo e passei a tomá-lo, deixando o que trago na minha mochila para quando acabasse o da gaveta.
Pois não é que acabaram os dois.
Fui pego de surpresa.
O que trago na mochila eu já sabia que só restavam um ou dois, e nesses dias que saí muito cedo de casa acabei por tomá-los. Mas aqueles da gavetinha, sinceramente, eu não esperava.
Fiquei decepcionadíssimo! Foi uma retaliação pessoal daqueles comprimidos contra mim. Ou da gaveta, sei lá. Mas jamais esperei que acabassem. Ainda mais assim, sem avisar, de uma hora pra outra.
E isso se repete.
Quanta coisa que eu tinha certeza que jamais iria acabar e acabou.
Dinheiro! Ai meu Deus, eu sempre acho que ainda tem algum na conta ou no bolso.
Rá! Ledo engano!
Ele sempre desaparece. E eu nunca sei aonde foi.
E o tempo?
Eu sempre acho que ainda tenho cinco minutos de tolerância. E sempre me lembro de algo inadiável pra fazer na hora de sair para um compromisso.
Quero fazer tudo ao mesmo tempo.
A vida e seus objetos se esvaem no meio dos dedos.
Por isso odeio dormir.
Quanta coisa pode desaparecer enquanto estou de olhos fechados.
Só pode ser essa a explicação para a finitude da vida.
Não tem outra.
sábado, 26 de janeiro de 2013
SONHO SIM, E DAÍ?
Sonho e sonho muito.
Sonho sempre.
Como agora, sonho com esse post que nasce, que daqui a pouco criará seus próprios caminhos; será admirado, ignorado ou desprezado por quem o ler.
Mas a partir do momento em que ele for concluído não será mais sonho.
E aí sonho de novo. E de novo. E de novo, de novo.
Claro, dirão os desagradáveis de plantão: sonhos não concretizados não são nada. E daí? Sonhos são como filhos: mesmo que não sejam um sucesso na vida, os amamos do mesmo jeito.
Assim são os sonhos. Os realistas que me perdoem, mas são todos uns chatos. Sonhar é viver! Sonhar é desgarrar-se do lodo da vida e navegar em nuvens de prazer e satisfação. E pouco importa se eles um dia virarão realidade. Eles foram sonhados para serem sonhos e se os concretizarmos perdem a graça, viram realidade. E aí morrem. A realidade tem o poder de matar os sonhos. Mesmo aqueles mais belos são esmagados pela aridez pífia da realidade.
Sonhos são coloridos; a realidade não. Sonhos são arredondados e macios; a realidade é feita de arestas pontiagudas.
Nunca uma realidade se igualará ao sonho. A realidade será sempre limitada pela realidade. Não o sonho! Esse não; capaz de singrar os mares mais bravios; saltar os abismos mais negros e profundos; subir ao mais alto ponto da estratosfera, o sonho é ilimitado, vencedor e condescendente com os derrotados.
O sonho não cobra, não humilha, não culpa. Ele apenas sonha.
Sonho e sonho muito.
E, sinceramente, não quero deixar de sonhar.
Não serei um escravo dos sonhos impossíveis; muito menos paralisados por eles.
Alguns lutarei para concretizar. Outros não; viverão eternamente na gaveta dos sonhos lúdicos, que compõem uma categoria adorada por todo sonhador: aqueles que nos acompanham à hora de dormir; ao banho; às maçantes filas de banco e tem o doce poder de amenizar os momentos de tristeza e abandono.
Os sem sonhos continuarão a nos policiar na tentativa de transformar a vida de todos naquela realidade prática chatíssima . Pode ser que seja mais produtiva, dê mais dinheiro, essas coisas. Mas a minha vida não é feita só de produtividade, dinheiro e essas coisas
E ninguém jamais conseguirá me tirar o poder revolucionário de sonhar.
Sonho e sonho muito.
Muitos deles viraram posts, momentos felizes, contos, estórias infantis, alguns deram até dinheiro.
Outros viraram dor, frustração e tristeza.
Mas, e daí? Mesmo os filhos que caem em desgraça sempre serão nossos filhos.
sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
NÃO CHORE POR MIM MARI
Não chore por mim, Mari.
Quero seu sorriso.
Quanto mais triste estiver mais dele preciso.
Não chore por mim, não vale a pena. Eu mesmo não choro.
Dói, dói muito, mas faz parte da minha alma, da minha construção.
Já tive um grande amor e joguei fora. Como quase tudo em minha vida. Mas não vou me lamentar. Amei e fui amado intensamente.
Continuo a me atirar de precipícios, a machucar minha alma. Mas isso faz parte da minha história, que aos poucos vou reescrevendo. Não posso querer tudo de uma vez. Aliás pouco conquistei nesses dois anos. Mas conquistei auto conhecimento, conquistei a mim mesmo, conquistei amigos e amigas que amo e nem conheço. Isso é inestimável e vale qualquer tratamento.
São cinquenta anos de TDAH e dois de tratamento. Ainda vou cair muitas vezes e não vou me crucificar por isso. Estou aprendendo a me perdoar e a enxergar a vida de outra forma.
Amo a vida, amo amar, amo dividir, amo compartilhar.
A vida só vale a pena se for compartilhada.
Não vou desistir Mari, também sou um otimista incorrigível. E um apaixonado incurável.
Não chore por mim, hoje já estou melhor.
À luz do dia toda forma de amor vale a vida.
E as lágrimas turvam nossa visão.
Obrigado pelo carinho.
O AMOR DOR DO TDAH
Amor dor
dor amor
sofreguidão
ânsia
dependência
náusea
arritmia
medo
sobressalto
lágrimas
insônia
susto
derrota
vida
morte
grilhões
prisão
escravidão
fuga
desespero
descrença
indiferença
recomeço
reinicio
repetição
amor dor
dor amor
haja ritalina...
PRECISO SEGUIR
Preciso seguir.
Mesmo queda.
Mesmo ferida.
Mesmo desamor.
Preciso seguir.
Mesmo solidão.
Mesmo abandono.
Mesmo saudade.
Preciso seguir.
Mesmo dor.
Mesmo lágrima.
Mesmo sangue.
Preciso seguir.
Mesmo suor.
Mesmo prazer.
Mesmo vulcão.
Preciso seguir.
Mesmo frustração.
Mesmo traição.
Mesmo ruptura.
Preciso seguir.
Viver é caminho.
Viver é continuidade.
Viver é preciso.
Por isso vivo.
Por isso sigo.
Por isso...
Só por isso.
quinta-feira, 17 de janeiro de 2013
A RITALINA NÃO FAZ MAIS EFEITO
Gostaria de lembrar que não sou médico, psicólogo ou farmacêutico; sou um mero portador de TDAH que se aventura a descrever experiências, sensações e emoções. Este post não tem qualquer pretensão científica, narro apenas minha experiência com o medicamento.
Em minha primeira consulta com minha Neurologista, Dra. Valéria Modesto, chegamos a conclusão de que devido à minha péssima memória eu deveria usar a Ritalina LA; menor número de tomadas diárias, menores as chances de ficar sem medicamento. Nos primeiros dias os efeitos benéficos são avassaladores; você acorda de um torpor em que estava enterrado há anos. No meu caso cinquenta anos. O problema foi que a Ritalina LA me deixou absurdamente irritado, eu explodia por qualquer coisa, sem a menor paciência pra nada. A solução foi passar para a Ritalina comum.
Passei a fazer uso de dois comprimidos de 10mg por dia, e os tomava religiosamente.
Minha irritabilidade diminuiu muitíssimo e os efeitos benéficos se mantiveram. O problema, é que não sou lá muito religioso, e passei a esquecer de tomar o segundo comprimido. Quando me lembrava, já ia lá pelas cinco da tarde e eu não via mais muita razão pra tomar a Ritinha. Por falta de disciplina, acostumei-me a ficar sem a segunda dose e comecei a achar que não precisava dela. Estava ótimo com apenas um comprimido por dia.
E comuniquei isso à minha médica. Passei então a fazer uso de apenas um comprimido pela manhã e me achei ótimo assim.
Em julho de 2012 minha vida virou um caos. Problemas financeiros e de relacionamento transformaram meu dia a dia num inferno. O que acabou culminando em separação e mudanças radicais em minha vida profissional. No meio deste turbilhão, um belo dia decidi tomar um comprimido de Ritalina depois do almoço. A cortina se reabriu e eu revi a paisagem da janela. Foi um choque, um choque bom, ótimo. Aí eu percebi o que havia feito com meu tratamento: sem perceber, acostumei-me aos efeitos da Ritalina e achei que não precisava dela. Caí num enorme conto do vigário. Aplicado por mim mesmo. Após um longo período sem o segundo comprimido, ao tomá-lo pude perceber nitidamente seus benefícios, e voltei a tomá-lo; não religiosamente com antes, pois sou um péssimo religioso, mas com uma disciplina de quem sabe que precisa e pode melhorar a própria vida.
E aí eu faço uma analogia com os comentários de que após um tempo de uso a Ritalina deixa de fazer efeito: não caia nessa, você habituou-se ao seu novo ritmo de vida, à sua nova atenção, às suas novas atitudes. Apenas isso. Imagine-se de óculos novos; nos primeiros dias tudo o que você vê é novidade, é lindo, multicolorido, ao final de um tempo você acostuma-se às cores e formas nítidas, mas isso não significa que seus óculos deixaram de funcionar, você é que acostumou-se a um novo padrão visual.
O que você precisa agora é aplicar um nitro na sua Ritalina, não aumentando a dosagem ou mudando de medicamento, mas cercando-se de apoio psicológico, mudança de atitude e ampliando seu auto conhecimento e o seu conhecimento sobre a doença.
Pense nisso: acostumamos a tudo na vida, para o bem ou para mal. Acostumamos também com o medicamento e somente com sua supressão percebemos o quanto ele é eficiente.
Claro que isso não impede de mudar de medicamento ou de dosagem, mas isso deve ser feito baseado na premissa correta e não em uma falsa impressão de que o medicamento que fazia efeito até ontem, deixou de fazer hoje.
Não caia nessa auto sabotagem.
segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
VANTAGENS DE SER TDAH
Quais as vantagens de ser TDAH?
Nenhuma! Absolutamente nenhuma!
Criatividade? Sensibilidade?
Quanta gente existe por aí criativa e sensível sem ser portador de TDAH? Essas pessoas ainda levam sobre nós a enorme vantagem de conseguirem concretizar suas ideias com maior facilidade do que nós portadores.
Não existe esse negócio de controlar o TDAH sem tratamento. Ninguém trata de pressão alta ou diabetes, ou de qualquer doença crônica na base da disciplina e pensamento positivo. Claro que em qualquer tratamento médico bem sucedido existe o fator psicológico, a contribuição mental do paciente, a vontade de se curar, de melhorar sua vida, mas só isso não cura doença nenhuma.
Não podemos aceitar sermos tratados como os engraçados da família. Aqueles que em todas as festas e reuniões familiares são lembrados por seus casos pitorescos e suas falhas comportamentais, tudo isso regado a gargalhadas e comentários jocosos.
Ninguém ri da pressão alta do tio fulano ou do diabetes da prima ciclana, por que vão rir do nosso TDAH?
Só nós sabemos o que sofremos quando cometemos aquelas falhas que originaram os casos 'engraçados'; e muitas vezes tornamos a sofrer com a indefinida repetição de situações que gostaríamos de esquecer. Só nós sabemos o quanto sofremos com as pechas que recebemos: avoada, doidinho, aéreo, e tantas e tantas outras 'carinhosamente' colocadas por parentes e amigos.
E nós? Nós mesmos precisamos parar de rir de nossas próprias falhas. Nós temos uma doença, e isso não tem graça nenhuma.
Nesse exato momento, vários cientistas ao redor do mundo estão debruçados sobre pesquisas científicas que visam reduzir o efeito do TDAH na vida dos portadores.
Não podemos mais acreditar em histórias da carochinha de que existe um lobo mal por trás dos grandes laboratórios farmacêuticos, que inventaram uma doença apenas para ganhar dinheiro. Eu sinto os efeitos dessa doença, minha filha sente, você sente.
O TDAH é reconhecido pela OMS, Organização Mundial de Saúde, e ponto final.
Precisamos encarar nosso tratamento a sério, para que um dia o TDAH não passe de um triste momento em nossa história.
sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
O TDAH E A ROTINA
Hoje tomei café da manhã com o cineasta alemão Werner
Herzog, um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos, eu estava
adorando a entrevista; quando vi os minutos voaram e a responsabilidade me
convocou. Contrariado, desliguei a TV e fui trabalhar.
A força da rotina. A força da responsabilidade. A força do
dever.
Aí me veio a lembrança das críticas contumazes - não só por
parte dos TDAHs – à rotina. Os portadores, então, odeiam a rotina.
Mas o que é a rotina?
Levantar cedo; cumprir horário; fazer sempre o mesmo
serviço; olhar pro rosto da esposa (ou do marido) diariamente; repetir-se
indefinidamente?
Não sou contra. A vida de qualquer pessoa é uma rotina.
Pense naqueles repórteres que cobrem guerras, moram no
exterior. A vida é uma enorme rotina de aeroportos, hotéis e violência
estúpida. Todas as guerras se parecem. O medo da morte, o cheiro da morte, a
proximidade da morte. Isso é rotina.
Os grandes aventureiros; o cara já saltou 27 vezes de
cachoeiras. Imagine a disciplina desse cara para se manter saudável, o corpo em
forma, a alimentação adequada, a quantidade de viagens até encontrar o local
ideal, quantas vezes ele entrou naquela cachoeira pesquisando profundidade,
pedras perigosas. A vida é rotineira. A falta de rotina é uma rotina.
Rotina é fazer o que não se gosta, é partilhar a vida com
quem não se ama mais.
O insuportável é a rotina emocional.
O amor rotineiro.
O amor que não se renova.
O amor que definha dia a dia.
Acostumamos ao convívio árido e cinzento.
Arrastamos um fardo emocional por anos a fio, muita vezes
uma vida inteira.
Acostumamos a ser infelizes.
Isso é uma rotina massacrante.
De repente você perde aquele convívio, e, inesperadamente
volta a conviver com você mesmo, com amigos de outrora, a conhecer novas
pessoas.
E a vida se renova. Redescobrimos o brilho nos olhos, a
motivação, o estímulo.
Mudar é a única solução? Creio que não. Olhar pra dentro de
nós mesmos e pra dentro do outro é a solução. O que te encantou antes e por que
deixou de encantá-lo agora. E isso vale pra vida profissional também.
Houve um
tempo em que você gostava da vida que levava; hoje não mais.
Por quê?
terça-feira, 1 de janeiro de 2013
TDAH FORJADO NA INFÂNCIA
Saltos impossíveis, escaladas improváveis, velocidades impensáveis.
Ambientes opressores, caminhos ásperos, esquinas pontiagudas.
A vida que não me cabia, a escola que não me absorvia, as ruas que não tinham saída.
Pipa, bola de gude,bicicleta, futebol, carrinho de rolimã, a sofreguidão do sonho.
O riso nos olhos, o riso na boca, o riso na alma, rindo da vida, sorrindo pra vida.
Atiradeira, brigas de rua, brincadeiras cruéis, o obscuro lado infantil.
Mas o sol surgia e no horizonte da vida a alma infantil voltava a brilhar.
E tome futebol, o goleiro incansável; o kamikase da bicicleta; o perdedor irascível das bolinhas de gude; o pé de vento que, antes de todos, pegava as pipas à deriva no céu.
Não conhecia o passo, apenas o salto; não conhecia o silêncio, sempre a música e o assobio; não conhecia o limite, tinha de rompê-lo; não conhecia o não, tinha de contradizê-lo.
Naquela vida em hiper velocidade, na hiper sofreguidão dos sonhos inalcançáveis; na hiper frustração diante do não; na hiper sensação de ser o último dia; forjava-se o edifício do TDAH.
A inconsequência infantil levada ao extremo na vida adulta, a velocidade dos passos transmuta-se em velocidade de decisões e atitudes impensadas; os saltos, outrora físicos, tornam-se subjetivos, mas ainda mais perigosos, atirando-me em abismos emocionais sem volta e sem reparação.
De novo no fundo do abismo, o TDAH me dá forças para reerguer-me pela enésima vez, curar minhas feridas (?) e enfrentar um novo ciclo de vida.
O menino hiperativo, de quem jamais me livrei, salta dentro de minha cabeça cobrando adrenalina, cobrando velocidade, cobrando o confronto com o desconhecido.
Tenho de mostrar a esse menino que o tempo passou, que o lugar dele é no passado, na saudade, nas gargalhadas das lembranças de família. Não será tarefa fácil, é um garoto sedutor, simpático, alegre, e queira eu ou não, é minha origem.
Não vou matá-lo, apenas nina-lo para que durma na macia cama dos sonhos e das lembranças.
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