domingo, 30 de março de 2014

O TDAH EM BUSCA DA PERFEIÇÃO?







Você acorda de manhã com tarefas normais pra fazer no trabalho, com sua família e amigos e consegue vê-las concluídas ao se deitar à noite? Coisas normais, banais, corriqueiras? Se a resposta for sim, de novo, dou-lhe os meus parabéns, você não é TDAH. Walter Nascimento



Parece idiota, né!
Mas não é.
Coisas simples como telefonar para um cliente, para os pais, para os irmãos; ir ao aniversário de um amigo querido...Pagar uma conta...Cortar o cabelo...Dar parabéns ao amigo por telefone ou no facebook...
O dia nos enreda, o manter-se ativo e trabalhando toma conta dos pensamentos. Metade do dia é consumido em não deixar que o dia seja completamente consumido pelo TDAH. Boa parte das energias é gasta na hercúlea tarefa de manter a torrente de pensamentos mais ou menos focada no trabalho.
O pantanoso TDAH tenta nos sugar, tenta nos levar para o fundo.
Só quem tem, sabe como é complexo manter-se à tona.
Dezenas de anotações, esquecimentos, auto admoestações, auto flagelos, justificativas, tentativas de remendar o que deveria ter sido feito na véspera, arrependimentos inúteis... E o dia passou. O estoque de falhas cresceu, a culpa se multiplicou...
Não queremos a perfeição, queremos apenas concluir o necessário.
Algumas medidas eu tomei. Ridículas, algumas, mas medidas tomadas. Não parabenizo ninguém no Facebook e pessoalmente, só a família. Por que? Por que eu cumprimentava uns e outros não. Ficava ruim. Certa vez cumprimentei pelo aniversário de um amigo e dois dias depois esqueci o da esposa. Ela brincou, mas eu fiquei sem graça. Só brincou por que sentiu. Pessoalmente, eu já não cumprimentava mesmo. Passei a ligar para as minhas irmãs, quando não nos encontramos pessoalmente. E ponto final.
Dos amigos, vou confessar, eu desisti. E eles de mim.
Trabalho de oito às dezoito, à noite tenho a família, o sax, meus celulares, o blog...
Talvez se eu soubesse me organizar eu conseguisse administrar isso. Mas...
Então combinamos assim: quem tem TDAH, almeja o mínimo necessário para ser normal.
Quem não tem, busque a perfeição, tente ser o melhor, o mais perfeito, mas nos deixe em paz. Pare de nos cobrar o que vocês não atingiram. A melhor contribuição é: calar-se e cuidar das próprias vidas.
Não é revolta, apenas constatação!

quinta-feira, 27 de março de 2014

O TDAH E A EXPLOSÃO INCONSEQUENTE






De repente, uma estranha onda começa a subir por nosso corpo.
A cabeça lateja, martelada por incessantes perguntas: quem é ele pra me dizer isso? Quem ela acha que é pra me desafiar dessa forma? Cretino! Tá pensando que sabe mais do que eu?
Conter as palavras parece impossível.Ondas de impropérios batem contra os dentes tentando romper o silêncio que a boca fechada tenta manter.
As imagens vão perdendo a nitidez toldadas por uma cortina vermelha...
O cérebro parece que vai explodir: Quem ele pensa que é para interferir assim na minha vida? Que regrinha ridícula é essa que inventaram agora? Querem me tolher?
O coração acelera os batimentos e sobe pela garganta empurrando as palavras que tentam romper o silêncio.
Por trás da cortina vermelha seu patrão/esposa/irmão/mãe/pai/namorado continua falando incessantemente, já não podemos entender direito suas palavras, mas sabemos que doem como facas na alma.
Estranhas associações tomam conta do cérebro. Fatos e palavras de agora parecem se conectar com algo dito ou feito a anos, meses ou horas. Como o monstro do Lago Ness, a nova situação emerge aos poucos do fundo de nossas mentes pressionadas e torturadas. A silhueta gigantesca e cinza domina todos os pensamentos. As associações de passado e presente incharam o problema, pintando-lhe com as cores negras do ódio.
O prazer colérico da descoberta daquela bizarra associação - passado/presente- enche-nos de força e coragem: Então é isso! Desnudei sua alma e suas reais intenções!
Novas agressões verbais ganham força na boca, empurradas pelo coração que quer saltar do peito; enquanto que, por de trás da cortina vermelha da ira o monstro dança provocativamente.
Aquilo é o fim! Provocação tem limite!Tenho que me defender! Tenho que defender minha dignidade!
A boca mantida fechada com muito custo, abre-se, deixando passar uma torrente de ofensas germinadas no adubo de uma mente torturada e confusa. Reduzimos nosso 'oponente' a pó. Transformamos o monstro que dançava sob a cortina vermelha, naquilo que ele realmente é: um verme! Um mísero verme!
A enorme torrente reduz a pressão interna de nossas mentes; a cortina vermelha desanuvia-se aos poucos, o coração se acalma e retomamos a visão. Diante de nós uma pessoa estupefata, ofendida, incrédula, destruída, muitas vezes aos prantos.
Como um raio, nossa mente se ilumina e a razão volta.
Perdi meu emprego! Perdi minha mulher! Acabou-se o namoro!
Um torpor, uma enorme fraqueza, uma culpa gigantesca, toma conta de nossa alma.
O desespero da perda! A consciência da asneira que se acabou de cometer...
Começa a desesperadora tarefa de consertar o que se destruiu a poucos segundos.
Toda a nossa força, a força dos desesperados, nos lança na ensandecida tarefa de reparar os danos, muitas vezes irreparáveis.
Por quê?
Não sabemos lidar com pressões. Não sabemos reagir friamente quando nos sentimos acuados. Não sabemos lidar com críticas.
Claro, nem todos são iguais. Mas quase...
Muitas vezes consegui impedir as explosões conversando internamente comigo mesmo e me avisando: essa raiva toda é do TDAH. Esse desespero não é real, é da doença.
Mas nem sempre consigo. O tsunami das emoções rompe a barreira da sensatez e da racionalidade, levando de roldão tudo o que está diante de mim. Imediatamente a minha 'Cruz Vermelha' do arrependimento entra em ação para tentar salvar o que for possível dos estragos. Mas sempre fica aquela marca na alma de quem foi alvo de tamanha ira.
A luta é diária, é incessante, é árdua, é infinita. Mas ou nos mantemos alerta e em luta constante, ou acabaremos nossos dias sozinhos e corroídos pelo remorso.

terça-feira, 18 de março de 2014

O TDAH ADVINHADOR






Fiquei sem Ritalina esses dias. Duas semanas a zero.
Cerca de uns dez dias antes do carnaval pedi a minha médica que me desse uma receita de Ritalina; como sua agenda estava lotada, ela me propôs que eu pegasse a receita na semana anterior ao carnaval e agendássemos a consulta para quando ela retornasse das férias. Sim, ela iria emendar o carnaval.
Como até a semana do carnaval eu estava trabalhando em um bairro distante do centro da cidade, invariavelmente eu chegava ao centro e o consultório já estava fechado (isso eu depreendi pelo horário, nunca fui até lá ou liguei pra confirmar). Na quinta feira, ante véspera de carnaval eu vi que não conseguiria buscar a receita no horário comercial, e mandei um whatsapp pra minha médica pedindo-a que deixasse a receita na portaria do prédio que eu passaria num horário maluco qualquer e a pegaria. Detalhe, eu já estava sem Ritalina desde a a sexta feira da semana anterior. Pois bem, minha médica não respondeu ao whatsapp, nem sim , nem não. Logo, inferi que ela não havia deixado a receita na portaria do prédio. E não fui conferir.
Passei o carnaval inteiro sem Ritalina (mas tudo bem, não costumo tomar em feriados e domingos) e na quarta feira de cinzas retomei o trabalho.Duas semanas sem Ritalina. Que tortura! Do meu Facebook via minha médica na praia com a família; inclusive com sua secretária que eu tinha esperança de que fosse trabalhar e me entregar a receita. Ai meu Deus! Tive ganas de mandar mensagem no Face, no Whatsapp, perguntando se minha receita estava na portaria, mas um misto de vergonha por atrapalhar as férias e certeza de que não estava lá, me impediram de fazê-lo. Curti várias fotos de ambas na praia, quando o que eu queria mesmo é que elas estivessem trabalhando e me dessem minha receita que estava trancada no consultório. Não sei se o fato de vê-las na maior alegria na praia, enquanto minha felicidade estava trancada naquele consultório escuro e silencioso, piorou meu estado de ânimo. Eu estava um farrapo. Me arrastei a semana inteira, enquanto aguardava ansioso a segunda feira redentora. A segunda finalmente chegou, mas abarrotado de serviço não consegui ir buscar a receita; na terça liguei, ninguém atendeu; entrei em pânico: a doutora vai tirar um mês de férias, pensei apavorado. Liguei N vezes e nada. Na quarta feira não resisti, mandei novo whatsapp para a doutora Valéria: por favor, minha receita, vocês ainda estão em férias? Preciso da Ritinha desesperadamente...  kkkkkk fiz bastante drama. A resposta veio como uma bomba: uai, você não pegou sua receita na portaria? Está lá desde antes do carnaval. Fiquei alguns segundos aparvalhado. Não sabia se ria ou se chorava, se xingava ou fazia graça. E a dra. Valéria ainda me deu um tapa de luvas: Você sabe que eu não deixaria você sem receita.
A inevitável vontade enfiar a cabeça na parede. Mas logo foi substituída por esse post. Com a devida autorização da dra. Valéria.
Pois é, temos o péssimo hábito de tentar advinhar as coisas, as situações, os pensamentos e ações das pessoas. E não somos advinhos. Resultado? Nos estrepamos. Mas um dia aprendemos.Ou não.
Lembrei-me de um caso ocorrido a cerca de 20 anos atrás. Eu fazia um curso à noite e ao voltar para casa, imaginei minha que minha esposa poderia ter enchido a banheira de hidromassagem, e viajei naquilo. Cheguei em casa pronto para um banho de hidro a dois e tal, e ela estava dormindo. Que raiva!
Ao acordar e me deparar naquele mau humor, ela perguntou o óbvio: por que você não me avisou? Eu teria enchido a banheira! Não posso advinhar!
Pois deveria, pensei! E dormimos brigados aquela noite.
Pois é, imaginamos, criamos, advinhamos e, normalmente, erramos.
Ah, meu estado de ânimo estava de tal forma abalado que escrevi um mini post desesperançado e entregue que transcrevo abaixo. Até ficou bonitinho, mas além de deprê, era infundado. Ou inveja da praia da Dra. Valéria e da Wal.

Não quero estar onde estou.
Não quero fazer o que faço.
Não quero ser quem eu sou.
Armo-me de um sorriso raso,
De uma coragem de papel,
De uma alma emprestada,
E sigo a vida...
Mas preciso de uma escora;
Sozinho, não dou conta.
A Ritalina mantém essa frágil estrutura de pé.
Ah, mas quando falta, quando acaba...
Passo meus dias andando às tontas entre os escombros,
Tentando reconhecer num daqueles pedaços, um pedaço de vida que me faça sentido, um pedaço de vida que me faça seguir, um pedaço de vida que me faça vivo.
Mas basta retomar, para que o imenso quebra cabeça se refaça, e eu possa seguir minha vida...
Minha?
Não sei; mas a vida possível...

Até quando? 

domingo, 9 de março de 2014

O TDAH E A BORRASCA QUE SE APROXIMA






Moro em Juiz de Fora; uma ótima cidade de péssimo clima. Costumamos dizer que em Juiz de Fora fazem as quatro estações do ano no mesmo dia. As vezes, fazem quatro estações de manhã e quatro à tarde. Juro, não é exagero. Aqui você sai de casa com sol, até um calorzinho; dali a pouco chove, gela. A chuva passa, mas deixa de lembrança uma fina garoa capaz de molhar os ossos e a alma; como bom juizforano, armo-me de vários agasalhos, só para tirá-los daí a uma hora pois o sol volta e o tempo esquenta de novo.E assim vivem todos os moradores de Juiz de Fora, sempre temos um agasalho e/ou guarda chuva à mão, mesmo que o céu esteja absolutamente azul, sem nenhuma nuvem. Mas pode chover.
Assim sou eu. Posso estar feliz alegre e satisfeito; de repente, uma enorme chuva de melancolia e mau humor cai sobre mim. Por quê? Só Deus para saber. Uma música, uma palavra, uma imagem, um ruído...
O céu azul tolda-se de nuvens baixas e logo, logo, os raios e trovões também podem surgir. E pelo mesmo motivo da melancolia, nenhum. Um súbito mau humor quase assassino; uma enorme vontade de comandar, pessoalmente, um holocausto que dizime toda a humanidade.
Mas, de repente, não mais que de repente, o sol rompe a camada de nuvens que parecia intransponível e brilha absoluto no céu azul. Um calor eufórico me assalta e um enorme amor pela sofrida humanidade se apodera da minha vida. Por quê? Só Deus para saber. Uma música, uma palavra, uma imagem, um ruído...
Assim como acostumei-me a morar em Juiz de Fora, adaptei-me a essa absurda variação de humor.Cheguei a tomar sertralina, mas parei. Passei a policiar-me, controlar meu humor; quando percebo que caminho ( ou que já atingi) os extremos me pergunto: por que esse humor? O que aconteceu de concreto para ficar dessa maneira? Se não existe explicação concreta, dou logo um jeito de 'reposicionar' meu humor. Digo pra mim mesmo: sai dessa, não aconteceu nada pra você estar desse jeito.
Fácil né? Não, difícil. Muito difícil. Primeiro tive de descobrir meu TDAH e saber que sou sua vítima de suas mazelas acopladas; depois daquele período tomando sertralina, e de meses de auto prospecção é que consegui perceber que essa variação de humor é artificial, não é consequência de um fato concreto, simplesmente minha cabeça é assim.
É incrível como meu estado de espírito se altera de um segundo para o outro...
Da mais genuína alegria pra uma  letárgica tristeza num estalo.
Uma sensação de torpor, de abandono, de nada, é substituída por uma felicidade canina; de um momento para o outro.
A serenidade de uma alma em eterna paz é rompida pelo grito lancinante de um desespero irremediável num piscar de olhos.
Mas a doença é ladina, matreira, muitas das vezes ela chega tão suavemente, tão delicadamente, que quando percebo meu ânimo está ao nível do solo, rastejante. Aí sim, percebo a sinuca em que me meti e retomo o caminho da normalidade.
A volta quase sempre é fácil e tranquila. Não me lembro se foi assim desde o começo, mas hoje o mais difícil é perceber que caí no buraco e não sair dele.Na verdade, ele é raso, pois é falso, mas é tão raso que às vezes custo a perceber que caí outra vez.
A solução?
Agasalho num braço, guarda chuva no outro e muita disposição pra enfrentar as borrascas que virão, com certeza.

domingo, 2 de março de 2014

O TDAH EM BUSCA DO IMPOSSÍVEL






Queira o impossível, sonhe com o inatingível, tente ser o que lhe é impossível ser, sonhe com soluções mágicas e tenha todos os ingredientes para sentir-se frustrado e deprimido. Assim como quase todos nós TDAHs.
Lembrei-me de uma mulher que conheci a muitos anos atrás. Não era uma mulher feia, mas estava longe de ser bonita. Um rosto comum, um corpo comum, bem abaixo dos padrões das mulheres 'gostosas' do Brasil. Um tipo de mulher que não chamava a atenção quando passava. Mas uma mulher inteligente, boa de conversa, divertida, mas sozinha. Sempre só, no sentido de sem namorado ou marido, ou mesmo 'ficante'. Essa moça tinha uma maneira de manter-se sozinha; ela só queria os homens ricos, bonitos e badalados da pequena cidade em que vivia. Seu comportamento era a maneira certa de ficar sem namorado, ela não era o tipo de mulher que esse tipo de cara quer. Sobre eles, 'chovem' mulheres bonitas, gostosas e ricas, e minha amiga não era nada disso. Resultado, está sozinha até hoje. Eu nem fazia ideia do que era TDAH, nem jamais havia ouvido falar; ela não tinha nenhuma das outras características da doença, mas serve para ilustrar o que quero dizer: procurar aquilo que está fora da sua realidade, aquilo que dificilmente você poderá ser, ou vir a ser.
Nada mais TDAH do que sonhar em ser um prêmio Nobel de Literatura sem ter escrito um livro sequer. Ou sonhar em ganhar na mega sena sem jogar; ou sonhar em ser lindo como o Brad Pitt, tendo espelho em casa e sabendo que não é; sentir-se frustrado por não falar inglês, mas jamais ter se interessado em estudar o idioma.
Claro, todos - TDAHs ou não - temos um delírio aqui outro ali; sonhamos com a mulher ( ou o homem) inatingível; sonhamos com aquele iate espetacular que vimos na reportagem; mas, no nosso caso é diferente, o que sonhamos é inatingível, mas nos frustra.Passamos anos sonhando com o que no íntimo sabemos ser impossível, principalmente por que não construímos nenhuma ponte naquela direção, mas não atingi-lo, não conquistá-lo é motivo de frustração e baixa auto estima.
Agora, na TV da sala, passa o filme Tranformers, a concretização do que digo: um garoto compra um carro velho, caindo aos pedaços, mas ele é meio mágico, ele é um Transformer bonzinho mas abandonado, e que coloca um garoto medíocre no centro de uma aventura sensacional e ele vira um herói. E de quebra deve ficar com a moça linda e badalada que lhe parecia inatingível.
Ai meu Deus, por que o senhor não me dá um carro desses? Mas não, meus carros velhos só me trouxeram problemas,despesas e frustrações.
A vida não tem surpresas; você só atinge aquilo a que se habilitou a atingir. Nada mais. Até mesmo a sorte na mega sena, você só a terá se jogar. Eu sonho em ganhar SOZINHO, na mega sena, mas não jogo. Quem sabe um dia encontro um cartão premiado caído na rua. Fácil, né?
Ainda mais fácil é sonhar em acordar pela manhã livre do TDAH; sem remédio, sem terapia, sem coaching, nada. Apenas amanhecer curado.
Ponto para a frustração...