terça-feira, 29 de outubro de 2024

O TDAH QUE FAZ TUDO (quase) CERTO





Já sou um velho.
Um velho TDAH, mas velho. 
Como todo velho estou arrumando a papelada da minha aposentadoria. 
 Não vou entrar em detalhes, mas minha desorganização com a documentação, o desleixo com a minha própria vida, me roubaram dez anos de aposentadoria. 
Finalmente, na reta final, contratei uma advogada para organizar minha barafunda documental e viabilizar minha aposentadoria. 
O primeiro passo foi dado e constatei que faltaram alguns anos do meu período como empresário. Advertido da necessidade de comprovação de que paguei o INSS durante esse período, afirmei orgulhosamente ter os comprovantes desses pagamentos.
Outro período ausente que observei tratava-se de uma empresa cuja comprovação do vínculo trabalhista só consegui através da justiça. 
Novamente sabia ter em casa a sentença judicial que determinou a inclusão do tal vínculo. 
Chegando em casa, juntei quilos e quilos de papel e fui separar o que será necessário para a advogada. 
Rapidamente separo as guias de pagamento do INSS e parto em busca da sentença. 
Não há sentença. Tudo o que guardei foram papéis sem assinatura, sem nenhum carimbo, sem nenhuma autenticação. Apenas guias preenchidas que poderiam ter sido preenchidas por mim. Ou por você. 
Extremamente frustrado retomo a análise de cada documento, cada envelope, cada pasta, e nada da tal sentença.
Decido levar o que tenho e foco na organização das guias. Não tenho guias. O que guardo há anos e anos, são apenas a apuração feita pelo contador que gera um documento a ser pago. Não o comprovante de pagamento em si. 
Um enorme desespero me bateu. 
Guardei por anos documentos errados, documentos que não comprovam absolutamente nada. 
Minha montanha de certezas esboroou-se num passe de mágica. 
Não tenho nada mais que indícios. 
Ainda que através desses indícios ela possa chegar a alguma conclusão, isso pode levar muito tempo e me custar muito mais caro do que antes. 
Pra quem não tem, ou não convive com um, isso é o puro suco de TDAH:
Certeza de estar fazendo o correto sem perceber que não está. 
Desatenção suficiente para se auto enganar, impedindo que você faça exatamente o que deveria. 
Nesses momentos o desejo é levantar e sair caminhando infinitamente pra longe da realidade, da vida cotidiana, de mim mesmo. 
Isso não é possível. Não é possível caminhar sem levar o TDAH comigo. Eu sou ele. Ele sou eu. 
Então prostro-me. Entrego-me. 
E sigo vivendo (?) 

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

O TDAH E A SUPERPOSIÇÃO DE SENTIMENTOS.


Ao longe um som de flauta embala meus pensamentos - Travessia. Sim, a flauta toca Travessia de Milton Nascimento.
A música icônica tão bem tocada me invade a alma e a tristeza de lembranças irremediavelmente perdidas me enche a mente. 
Um desfile desconexo de pessoas e situações, sentimentos e decisões, escolhas e perdas. Principalmente as perdas dançam diante de mim. Quanta gente pelo caminho, quantas oportunidades negligenciadas, quantos momentos preciosos ignorados, quanta vida desperdiçada...
O que resta? Nada. Absolutamente nada. A música mudou, já não toca mais Travessia ao longe, com a nova música a nostalgia se apaga. O pálido baile do passado se desvanece diante da curiosidade de descobrir qual era a nova música que o flautista interpretava. Uma música rápida, muito rápida. Conheço, pensei... Conheço... Caetano! Claro que é Caetano... Pena de pavão de Krishna, maravilha, vixe, Maria... É isso!! Trilhos Urbanos em um ritmo mais forte. Caetano! Uma enorme satisfação tomou conta de mim. Adoro Caetano e essa música. Parei para prestar atenção. Toca pra caramba, pensei. Quem será? De repente, como começou, parou. Fiquei com uma sensação de incompletude... Corri pro YouTube e coloquei o próprio Caetano pra interpretar pra mim. Caetano é um gênio, um ícone. Estou aqui acompanhando suas músicas com extrema satisfação. Uma verdadeira playlist de Caetano desfila no YouTube para meu deleite: Trilhos Urbanos, Reconvexo, Vaca Profana... Do nada veio-me a lembrança de que há quinze ou vinte minutos um desfile macabro de dores pretéritas me tomou os pensamentos e jogou-me num poço de dor e culpa. Mudou a trilha sonora mudou o humor. Transtorno Bipolar? Transtorno de Humor? TDAH! Lembrei-me nitidamente de explicar aos meus funcionários - nos tempos idos de empresário - Preciso que me lembrem das coisas. Converso alguma coisa com você, o telefone toca, chega um cliente... Aquilo que conversamos apagou-se sob camadas de novas demandas. E é isso: ações, experiências, sentimentos, vão sendo soterrados por novas situações, novas experiências, novas demandas, novas atenções... E a vida passa... Aquilo que em determinado momento parecia importante ou significativo apaga-se. Simplesmente apaga-se. Chegaram a me taxar de superficial. Não, não é isso, é Déficit de Atenção. Uma atenção que flutua ao sabor de circunstâncias absolutamente aleatórias, mas que se transformam em prioridade numa fração de segundo que, claro, será substituída por outra prioridade, e por outra, e por outra...
Só quem não vive o TDAH pode taxar-nos de qualquer coisa. Aquele sentimento de meia hora atrás era verdadeiro, e ainda é, mas uma nova realidade se sobrepôs àquela anterior e a sobrepujou. Me lembrei das camadas geológicas da terra. Se eu as revolver devo encontrar situações e sentimentos completamente esquecidos e que podem me surpreender verdadeiramente. 
Sigamos em frente: ao infinito e além!
Como dizia um velhíssimo samba: deixe que digam, que pensem, que falem... 

O TDAH E O TEMPO

Tempo...
Me escapas
Me surpreende 
Me desgasta... 
Esvai-se 
Esboroa-se
Evapora-se 
Diante de mim... 
Atônito 
Indefeso 
Humilhado 
Perplexo 
Eu que não te vi chegar
Eu que não te vi passar 
Restam as justificativas balbuciadas, que ninguém ouve ou crê. 
Restam as desculpas
Se ainda houver tempo...