Conta a lenda que no interior de um reino distante vivia um
príncipe jovem, belo, rico e muito, muito triste. Vivia solitário em seu
castelo, cercado de luxo e tristeza.
O príncipe não foi assim na sua vida inteira. Na
adolescência foi um rapaz ativo, cheio de amigos e sonhos. Ele não sabia, mas
no fundo de sua alma ele cultivava um monstro que mais tarde o dominaria: a insatisfação. Ao atingir a idade adulta o príncipe perdeu-se.
Encantou-se e frustrou-se com vários cursos superiores; experimentou várias
profissões; das mais nobres às mais plebeias; tentou as artes: o teatro, a
música, a literatura. Nada. Após um início promissor em quase tudo que experimentava,
o príncipe era invadido por uma insatisfação que o dominava completamente,
paralisava sua vontade, suas ações, sua coragem. E ele abandonava mais aquela
tentativa. Ganhava mais uma cicatriz, mais uma marca naquela alma já tão
repleta delas.
Os sucessivos fracassos e abandonos foram criando naquele
príncipe uma tristeza e um constrangimento cada vez maiores. Passou a evitar
seus pares; não tinha do que se vangloriar, tornou-se ácido crítico da nobreza
de seu país chamando-a de sanguessuga e parasita da sociedade. Começou a ser
mal visto pela casta superior que passou a isolá-lo. Por viver num reino onde a rigidez social era
a regra, começou a isolar-se de todos. Longe dos nobres por opção e das classes
baixas pelo rígido costume de seu país, o príncipe fechou-se em seu castelo
vivendo para os livros e os parcos escritos que produzia. Somente quando era
absolutamente necessário, comparecia às solenidades reais onde era alvo de
chacotas por usar sempre as mesmas roupas desgastadas e antiquadas. Sua
absoluta incompetência para gerir a fortuna que herdara era folclórica no reino
e alvo de piadas e escárnio nas altas e baixas rodas sociais.
Ao atingir a meia idade o príncipe havia vendido quase todas
as suas terras, títulos e obras de arte. Desfizera-se também de laços de afeto
e amor e via-se na iminência de ter de vender seu castelo e acabar sozinho e
abandonado numa casa modesta que outrora fora ocupada por uma das criadas de
sua mãe.
Vagando pelos enormes aposentos do castelo o príncipe
procurava algo que explicasse sua eterna e profunda insatisfação. Olhava para
trás tentando encontrar em sua vida pregressa o momento em que foi dominado por
essa doença; uma estranha doença que transformou sua vida num redemoinho
infinito.
Um sofrimento difuso e silencioso tomava cada fibra de seu corpo, lhe oprimia o peito e tolhia sua iniciativa de reerguer-se.
Um sofrimento difuso e silencioso tomava cada fibra de seu corpo, lhe oprimia o peito e tolhia sua iniciativa de reerguer-se.
Quem olhava de fora estranhava e ridicularizava a vida
aparentemente infrutífera daquele príncipe. Riam da sua incompetência para a
vida, para ganhar dinheiro, para manter seus casamentos, seus amigos e sua
posição social.
Mas lá dentro, na solidão escura do castelo, o príncipe lutava para abrir as janelas enferrujadas e emperradas na desesperada esperança de que
a luz do sol e o ar puro renovassem suas forças , as forças de sua alma, e
iluminassem um novo caminho em sua vida; menos sujeito à ação desse terrível
monstro da insatisfação. Ao mesmo tempo, ele sonhava com o dia em que os
cientistas do reino descobririam a cura para essa estranha doença que
praticamente incapacita pessoas inteligentes e de físico perfeito para uma vida
plena, feliz e produtiva.