sábado, 25 de abril de 2015
PENSANDO COMO UM TDAH
O diabo desta vida é que entre cem caminhos temos que escolher apenas um, e viver com a nostalgia dos outros noventa e nove.
Fernando Sabino
Li com muito interesse um texto sugerido pelo amigo Walter Nascimento sobre as dificuldades do TDAH com as funções executivas. Preciso e cirúrgico, o texto aponta essas 'disfunções executivas' como o cerne do TDAH, no que eu concordo plenamente.
Ao discorrer sobre cada uma dessas disfunções, o texto mostra ter sido escrito por um não TDAH ao incorrer num erro primário: não pensar como um TDAH.
Pra não ser longo e chato vou abordar o primeiro ponto:
INIBIÇÃO: aqui abordada como contraponto à impulsividade, a inibição é aquilo que faria com que pensássemos antes de agir. E essa é, na minha opinião, a falha do texto.
Os portadores de TDAH pensam antes de agir, sim. Só não sabemos qual caminho seguir.
Eu sou uma pessoa até mesmo lenta para me decidir, peso mil vezes, analiso cada caminho, e sigo o errado.
Por quê?
Por que, na verdade, minha mente já escolheu um caminho e todas as outras opções - ainda que mais racionais e inteligentes - passam a ser cinzentas, esquisitas e inexequíveis.
É falso acreditar que não pensamos antes de agir.
Pensamos, mas nossa capacidade de raciocínio é toldada pelo nosso desejo; isso faz com que nossas opções sejam incompletas ou que deixemos de considerar todas as possíveis.
Depois que tudo deu errado, que nada (ou quase nada) pode ser feito, surgem novas ideias, enxerga-se novas alternativas. Mas aí, é tarde demais...
Somos passionais no sentido nelsonrodriguiano da palavra. Nelson Rodrigues dizia que: " Sem paixão não dá nem pra chupar um picolé".
Pois é, somos assim. Não existe um meio termo na mente de um TDAH; não somos imparciais nem com a gente mesmo. Burlamos a nós mesmos, enganamos o bom senso e o equilíbrio em prol daquilo que nossa mente quer.
Já distorci dados pra mim mesmo para que tomasse o caminho previamente escolhido. Como assim? Simples, minha mente desqualificou dados ou informações importantes para que eu seguisse o caminho que queria.
Por exemplo: essa informação é inútil; isso aqui, depois de implantado vai acontecer; a pessoa vai entender o que eu queria depois de pronto...
Mas não! Desconsiderei fatos e variáveis importantes; ignorei o óbvio. E me dei mal.
Não pensei? Pensei sim, de maneira desfigurada, de maneira passional, mas pensei.
Novamente parafraseando Nelson Rodrigues: "E podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos".
Sim, consciente ou inconscientemente, só fiz o que quis. E pensei muito antes de fazê-lo.
Pena que na maioria das vezes me dei mal.
quinta-feira, 23 de abril de 2015
QUANDO DÓI O TDAH...
Minas Gerais teve um governador- Hélio Garcia - cuja procrastinação era vista como esperteza política. Suas decisões eram adiadas até o último dia; o último minuto, do último dia do prazo.
Até o dia em que ele se deu mal.
Inesperadamente, aos quarenta e quatro minutos do segundo tempo político; quando não havia mais tempo para mudanças, o Governador Hélio Garcia surgiu diante das câmeras e anunciou seu candidato à própria sucessão. Além de estar visivelmente embriagado, o então Governador surpreendeu o mundo político estadual com o nome do candidato que anunciou: um obscuro e medíocre deputado estadual que ele pretendia transformar em governador.
O mundo político mineiro veio abaixo, o tal candidato naufragou e acabou desaguando na candidatura do famigerado Newton Cardoso, de triste lembrança para Minas Gerais.
Mas afinal, o que é a procrastinação?
Procrastinação é a arte de 'esquecer' um problema na esperança de que resolva-se sozinho.
Procrastinar consiste em evitar defrontar-se com coisas, pessoas e situações desagradáveis, como se isso fosse possível.
Procrastinar é atirar um bumerangue de olhos fechados e torcer para que não volte na própria cabeça.
Procrastinar é burrice! Procrastinar é estupidez! Procrastinar é infantilidade!
E por que procrastinamos?
Por que somos doentes.
Por que temos uma deficiência de neuro transmissores que faz com que tenhamos atitudes infantis, impulsivas e inconsequentes. Uma doença que faz com que nossos cérebros trabalhem de maneira diferente do cérebro dos 'trouxas'.
Um cérebro doente que compraz-se em destruir a vida daquele que o alimenta, que o mantém vivo; daquele que ele, cérebro, deveria premiar, gerir e manter. Enfim, uma estranha autoflagelaçao.
Posso dizer - por experiência própria - que a procrastinação é fruto de uma mistura explosiva de sentimentos: o medo de que aquilo que se deve enfrentar seja grande demais; o sentimento de inferioridade que faz com que nos sintamos incompetentes em solucionar; a infantilidade de acreditar que não enfrentar é uma forma de solução; a necessidade de se auto premiar, simplesmente dando um foda-se para tudo o que é desagradável. A tudo isso soma-se nossa incontrolável capacidade de fantasiar que nos leva a projetar situações desagradáveis e constrangedoras que jamais se concretizam. Ou que não se concretizariam se tivéssemos agido a tempo e a hora.
E daí, qual a solução?
Não tenho uma solução. Nem a Ritalina ou o Venvanse , ou o Concerta solucionam isso.
A única coisa que sei é que não podemos nos torturar; não podemos nos punir; não podemos nos acusar. Em geral, somos as nossas maiores vítimas. O resultado de nossa procrastinação recai sobre nós mesmos, portanto, poupemo-nos.
Outra coisa inútil que posso afirmar: aprendamos com nossos erros! Essa é uma das características mais marcantes da doença: a incapacidade de aprendermos com nossos os próprios erros.
Levante a cabeça, você já está doído demais pra se repreender.
Poupe-se! Perdoe-se!
E siga em frente!
Se os 'trouxas' erram, nós temos salvo conduto para errar infinitamente...
sexta-feira, 17 de abril de 2015
TDAH NO ADULTO, CULPA DOS PAIS
Ai, ai... Existem assuntos que eu juro que nunca mais vou abordar no blog, mas aí leio um texto que me provoca...
Recebi um hoje no Facebook que passou das medidas, o título: TDAH, DOENÇA OU DOM?
Que festival de asneiras!
A autora, que não tem o nome mencionado, afirma que em seu ' trabalho com crianças ' dividiu-as em 4 grupos:
O primeiro, das chamadas Hiperativas, ela renomeou para: Crianças Divertidas e Amorosas. Não é lindinho?
Pois bem, a brilhante articulista, afirma que esse grupo não se dá bem em escolas estruturadas e que, não devemos rotulá-las, mas sim oferecer-lhes uma escola menos estruturada. Acompanhadas e estimuladas essas crianças se tornam brilhantes.
Aí eu fico pensando: Você tira seu filho de uma escola estruturada e o coloca numa outra com menos estrutura, menos cobrança, menos exigências. Seu filho será criado respeitando sua hiperatividade, sua falta de foco, sua impulsividade, sua desatenção...
Só que um dia ele vai crescer, e vai querer ter um carro, uma namorada, uma casa, viajar, casar, enfim, ter uma vida normal.
Qual empresa aceita um hiperativo, desatento, impulsivo e sem foco?
Você simplesmente não deu ' armas' adequadas pra que ele enfrentasse a vida de igual pra igual. Falar inglês? Bobagem, esses cursos são muito estruturados...
Curso superior? Meu filho não precisa, essas faculdades são muito estruturadas...
Pós graduação? Deus me livre, isso é coisa estruturada demais pro meu filho Divertido e Amoroso...
E ele vai pra vida competir ombro a ombro com pessoas altamente estruturadas. E vai perder...
Se for uma criança de sorte, nascida em berço de ouro, sempre terá uma herança pra dilapidar no futuro.
Se não, pode seguir carreiras menos estruturadas, tipo hippie, que faz bijuterias na praça; andarilho; se tiver um dom, músico de rua, pintor de rua. Nada acadêmico, nada estruturado...
Nem mesmo músico profissional, artista plástico ou atleta profissional; são profissões que exigem disciplina e muito trabalho pra atingir o sucesso. Coisa dessa gente estruturada...
Mas não se esqueça, se ele se sentir prejudicado, se ele se sentir despreparado, a culpa será sua.
Se ele descobrir que tem uma doença tratável, não tratada, a culpa será sua.
Não tratar do filho é uma escolha dos pais, arcar com as conseqüências dessa escolha é inexorável.
segunda-feira, 6 de abril de 2015
O TDAH COMO ESCUDO
Desculpe-me, eu não posso pegar peso; tenho hérnia de disco.
Não obrigado, sou diabético, não posso comer doce.
Perdoe-me, amigo velho, mas não frequento mais bares. Sou alcólico e já estou a dois anos sem beber, entrar em uma bar seria uma tentação desnecessária.
Desde que infartei não assisto mais jogos de futebol. Você se lembra de como eu ficava nervoso, gritava, esbravejava? Pois é, uma final de campeonato pode me matar...
Todos são argumentos válidos, sólidos, incontestáveis.
Por que os nossos não podem ser?
Perdoe-me, agi por impulso, o TDAH agiu em meu lugar.
Hoje tive um dia muito improdutivo; mesmo sob tratamento não consegui me concentrar...
Chefe, você poderia me transferir para um ambiente mais tranquilo, menos barulhento? Esse maldito TDAH; fico muito disperso nesses ambientes barulhentos...
São argumentos válidos, sólidos, incontestáveis.
Mas todos nos criticam por 'USAR O TDAH' como justificativa.
Mas é justificativa!
Se eu tenho uma doença que deixa meu cérebro inconstante, meu comportamento imprevisível, minha memória prejudicada, EU TENHO O DIREITO DE USAR A MINHA DOENÇA COMO JUSTIFICATIVA SIM!
A verdade é que nos envergonhamos de sermos TDAH. Eu inclusive. Falo sobre minha doença abertamente aqui no blog; mas na empresa onde trabalho ninguém sabe. Ou quase ninguém.
Por que?
Por que ninguém quer ser taxado de doido!
Ninguém quer ser doente mental!
E todos nós temos medo de perdermos os empregos, os clientes, os pacientes, os amigos...
Nós enfrentamos a vida de igual pra igual, mas com menos armas para o combate.
Sou péssimo em memória, péssimo em atenção, tenho enormes dificuldades em manter-me motivado, minha atenção é facilmente dispersada por ruídos e imagens. E ainda não há remédio que cure isso tudo. Existem paliativos que minoram algumas dessas características, mas nada muito significativo.
Preciso do triplo de energia pra superar as decepções normais de um emprego, de um relacionamento, de uma escola, por exemplo. Do nada meu ânimo se derrete e tenho vontade de largar tudo e fugir pra casa, deitar e dormir ad eternum. Sabedor de que isso é proveniente da doença, preciso reunir forças que nem sei se tenho e me impulsionar pra fora do poço do desânimo sozinho.
E sozinho - E EM SILÊNCIO - tenho que enfrentar todas os desafios da minha vida com menos armas, com menos qualidades, com menos requisitos.
E nem posso usar minha doença como escudo pois vão me taxar de aproveitador, de espertalhão...
Nossos parentes, nossos médicos, nós mesmos, precisamos criar coragem e sair desse gueto em que nos enfiamos e esfregar na cara da sociedade a nossa doença e as deficiências que ela nos trás.
Sei que tudo o que escrevi aqui não terá efeito prático imediato, mas joguei uma semente que poderá florescer em algum lugar, alguma mente corajosa que enfrente a sociedade hipócrita que finge não nos enxergar.
Quem sabe um terrorista da felicidade sabote essa hipocrisia e a bandeira do TDAH possa ser desfraldada sem vergonha!
quarta-feira, 1 de abril de 2015
O TDAH E OS PROJETOS ABANDONADOS
Um comentário no blog dizia que deixar projetos inconclusos consome energia, desgasta...
Deve desgastar mesmo, principalmente se a pessoa tem consciência de que o deixou sem conclusão.
Não com um TDAH. E aí reside a principal confusão que um não TDAH faz ao tentar nos ajudar. Não temos consciência de que abandonamos os projetos, simplesmente eles são substituídos por novos sonhos, por novos projetos, por novas sensações...
O projeto é sabotado por uma série de comportamentos erráticos que tomamos ao longo de sua construção.
O abandonamos por que cansamos dele, por que enjoamos, por que o legal é projetar e não concluir. O sonho é mais importante do que a obra. Muitas vezes elaborar o projeto já sacia o desejo por ele, não é necessário concluí-lo.
O que sabota um projeto é a infinidade de caminhos mentais que se abrem durante sua elaboração. A cada passo, novas emoções se nos oferecem, são novas janelas, com novas e interessantes paisagens; que por sua vez, se abrem para novas janelas, que se abrem para novas janelas... E o projeto original foi apenas o mote para tantas sensações; já foi esquecido, morreu, caiu no limbo.
O TDAH nos guia pelos labirintos da mente, mas ele também não conhece o caminho. Mas ainda que saibamos disso, não conseguimos nos desvencilhar dele.
O que nos resta é inverter essa relação; deixarmos de ser guiados pelo TDAH e passarmos a guiá-lo por entre os corredores da mente humana.
Não sabemos se encontraremos a saída, mas sabemos que, pelo menos, assumimos o controle dessa busca.
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