Assim como não percebia os efeitos positivos da Ritalina, não percebo os efeitos negativos de sua ausência. Aos poucos o desânimo começa a se instalar, a falta de foco aumenta, a desatenção ganha escala, a preguiça toma conta definitivamente. São necessários vários meses, anos até, para me conscientizar de que jamais poderia tê-la abandonado. Decido retomar seu uso. Essa retomada leva alguns meses. Tem que ter receita, tem que calçar a cara e voltar ao médico dizendo que, pela enésima vez, interrompi o tratamento e descobri que preciso retomá-lo. De posse da receita levo dias e dias pra lembrar de comprar e depois outros tantos para começar a tomar.
E então acontece o milagre: tomo ciência repentinamente que aquela disposição, aquela produtividade, aquela eletricidade que eu não sentia há séculos me foi dada hoje pela Ritalina. Juro amor e fidelidade eterna à ela. Jamais interromperei novamente. Uma pela manhã, minutos antes de entrar na empresa e outra após o almoço. Produtividade garantida!
Ali pelo terceiro dia começo a perceber um comportamento inquieto, as mãos não param, fico esfregando os polegares um no outro. Os pés se movem sob a mesa quase que incessantemente. E um sentimento de alerta constante dentro do peito. Como se houvesse um inimigo à espreita, prestes a atacar. Claro que não existe o tal inimigo, apenas essa sensação de perigo iminente. Estamos nesse momento no início do inverno e quando tomo Ritalina sinto mais frio. Mas não é um frio normal, é um frio interno que me obriga a sair do lugar, a fazer alguma coisa, a falar mais...
Fiquei pensando em quem já tem Transtorno de Ansiedade, sob o efeito da Ritalina deve ser quase insuportável. Imagino que o que sinto sob efeito do remédio a pessoa ansiosa já sente diariamente. Ao tomar a Ritalina isso deve aumentar exponencialmente. A sensação de alerta se transforma em pânico. A inquietude dos membros deve ser quase incontrolável. E o frio interior deve se transformar numa nevasca na alma.
Mas nem tudo são dores. Há também flores. Com a Ritalina fico mais otimista, mais comunicativo, mais animado, mais confiante...
Mas, concluo hoje, que a Ritalina não pode ser tomada por todos. Mesmo os TDAHs. Essa sensação que sinto no peito agora deve ser quase insuportável para boa parte das pessoas. Enquanto escrevo mexo os pés constantemente e a sensação de que preciso fazer algo com urgência não me abandona. Mesmo eu estando em hora de almoço, sem nada específico a cumprir nesse horário.
Ainda assim, se comparo meu desempenho com e sem a Ritalina, opto por mantê-la. Tenho contas a pagar e não posso me dar ao luxo de enrolar no trabalho ou ser dominado pela preguiça e pela paralisia mental que me apossa de quando em quando. Sigo com a Ritinha, mas até me entendo quando suspendo seu uso e, muito mais, quem não dá conta de tomar continuamente. Não é fácil.
Como tudo na vida são escolhas, entre a sensação de perigo e a paúra de ficar sem emprego, melhor aquela.
Quanto àquelas babaquices de Cocaína legalizada, droga da obediência, dependência... Nada disso existe, sou o exemplo vivo disso, já interrompi e retomei o uso diversas vezes e jamais tive síndrome de abstinência ou coisa parecida. Cocaína é uma droga proibida e potencialmente letal, ao contrário de todas as drogas a Ritalina não exige um aumento constante da dosagem - tomo a mesma dosagem há 12 anos - só tomo em dias de semana e as vezes me esqueço de tomar. E quanto à obediência, nada a ver, embora muitas vezes o que um TDAH mais precisa é seguir as regras da sociedade. Rebeldia é lindo, mas não paga as nossas contas.
PS. : tenho tomado a genérica. Nenhuma diferença.