domingo, 26 de agosto de 2012

O TDAH E A NEGLIGÊNCIA










No princípio parecia um verme, um girino, sei lá, algo bem insignificante. Tão insignificante que era quase bonitinho. Bonitinho talvez seja um pouco demais, mas simpático, interessante em sua pequenez e insignificância. Apesar de minúsculo e insignificante, não tinha aparência frágil, em sua pequenez trazia o prenúncio de um ser adulto robusto e forte.
Eu poderia tê-lo matado, mas não o fiz. Sei lá, a sujeira no tapete, talvez exalasse um mau cheiro, não sei direito. O certo é que o varri para sob o tapete. Imaginei que o peso do tapete, a falta de ar o matariam mais dia menos dia. E ali o deixei à morte.
Os dias se passaram, as semanas transcorreram, entraram meses e eu o observava de longe. Aquele estranho calombo sob o tapete parecia crescer, às vezes parecia até mesmo movimentar-se. Empurrei um pequeno móvel sobre o calombo no tapete. Um pequeno estertor e ficou imóvel. Sorri internamente, estava morto aquele bicho estranho.
A presença do móvel apenas camuflou seu crescimento. Eu já não o via por todos os ângulos, nem em toda sua verdadeira magnitude. Mas eu o imaginava crescendo. Em alguns momentos eu julguei ver o móvel mover-se, balançar. Quando me lembro disso, me pergunto: por que não o matei? Por que não o fiz ainda minúsculo? Inúmeras vezes tive a chance de fazê-lo, mas não o fiz. Permiti que crescesse dentro de minha casa, sob meus olhos complacentes. Sei lá por que, achei mais cômodo deixá-lo morrer por asfixia sob o tapete. E mesmo  vendo-o crescer sob o tapete tentei acreditar que de alguma forma ele seria inofensivo, eu poderia dominá-lo. Certo dia, acordei com estranhos ruídos na sala e me deparei com o pequeno móvel que o encobria completamente destroçado. Ele e mais uma cadeira que ficava próxima. Assustei com aquele comportamento violento e decidi tomar uma atitude, e tomei a pior delas: tranquei a porta da sala e passei a não usar mais aquele cômodo. Os ruídos de destruição e violência que vinham da sala interditada me incomodavam, mas tentei conviver com eles; somos obrigados a conviver com tanta coisa desagradável...
Bem, agora estou aqui, numa cama de hospital, uma perna amputada, lacerações por todo o corpo. Minha casa foi interditada por abrigar uma colônia de vermes gigantes.  Jamais foi visto em nenhum lugar seres tão grandes, tão fortes e tão agressivos.
Uma força tarefa formada por bombeiros, policiais, médicos, estuda a melhor forma de eliminar os vermes gigantes sem permitir que fujam e contaminem outras casas e pessoas.
Vieram me comunicar que a única e definitiva solução seria queimar a casa.
Queimar minha casa? O único bem que eu tenho? Sem uma perna, o corpo todo machucado e sem casa. Tudo isso por que decidi varrer aquele bichinho pra debaixo do tapete.

8 comentários:

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    1. Oi Reily!
      O estranho do TDAH é isso, nós conscientemente nos expomos às críticas e ao julgamento das pessoas.
      Nenhum de nós entede os motivos que nos levam a agir da forma como agimos.
      Um abraço
      Alexandre

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  2. Me vi nesse blog, parece que fui eu quem escreveu tudo! Meu Deus, eu não estou só...

    Gente, obrigada por dividir suas histórias, suas vidas!

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    1. Oi, amiga!
      Eu é que agradeço a sua presença e seu comentário.
      Vc está convidada a dividir sua vida e, principalmente, suas estratégias de convivência com o TDAH.
      Um abraço
      Alexandre

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  3. É incrível como uma pessoa pode identificar-se duma maneira tão perfeita com algo q alguém escreve. Fugir, evitar e fazer desesperar quem nos acompanha. Já conseguiste crescer, evitar fugir? Se sim, explica-me uma forma de o fazer... pois eu sei q a minhas atitudes estão a destruir e a afastar pessoas importantes p mim. Mas n é fácil perceber quando nem eu percebo..

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    1. Olha, Di, melhorei. Mas ainda não estou 'curado'.
      Quando a gente é diagnosticado como portador de TDAH, passamos a nos conhecer melhor, a conhecer a artimanhas do TDAH e podemos tentar superar as auto sabotagens e os comportamentos típicos da doença. Essa é minha estratégia, eu penso assim: peraí, esse não sou eu; é o TDAH. Vou fazer diferente.
      Nem sempre consigo, rsrs, mas não desisto.
      Perceber, Di, é a palavra chave. Tente se auto policiar naqueles comportamentos que julga serem os seus pontos mais falhos.
      Né fácil, não, mas nada é fácil na vida...
      Um abraço
      Alexandre

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  4. Muito obrigado Alexandre, para mim n tem sido mesmo fácil. Só há bem pouco tempo descobri o TDAH e foi de forma quase acidental, qd era miúda era um piolho eléctrico (como carinhosamente o meu médico de família me apelidava) sabia q tinha défice de atenção e q concentrar-me em alguma coisa era mt difícil e em mais q uma era impossível, então se passa-se uma misera mosca já estava a olhar p ela, qd isso n era minimamente importante. Quanto ao resto, sempre cresci a pensar q fazia parte do meu feitio. Qd comecei a tentar perceber o pq de eu n conseguir tomar uma atitude e até fugir delas, estranhei mas na minha cabeça era algo normal e natural depois de mt chorar, desesperar e lutar com a minha própria cabeça (o que para muitas pessoas é de loucos) à uns tempos atrás descobri q grande parte das coisas q pensava e sentia era sentida por outras pessoas, q ao falarem ou se descreverem era como se fosse eu mesma. Foi super estranho mas tenho tentado perceber. Qd dou por mim já estou a fazer/ou a n fazer algo q é mt importante p mim. Dps sinto-me super frustrada comigo mesma, por n ter feito, ou por ter dito algo q n queria, pior q n sentia. Como é possível dizer o q n se sente e magoar pessoas q se gostam sem querer. Ler o q escreves p mim é extremamente agradável, saber q de alguma forma tu conseguiste superar parte disto, é como se me desse força p continuar e me disse-se n é impossivel e vais conseguir :-) Eu só queria acordar a tempo de n perder pessoas importantes p mim, acordar a tempo de dizer eu sou mais forte e vou conseguir, vai custar mas vou conseguir.Mais uma vez obrigado Alexandre e mtttttt força p ti ;-)

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    1. Oi Di, bom dia!
      Na verdade ainda não superei muita coisa. O tratamento do TDAH é duro, difícil e cheio de recaídas. É claro que hoje estou melhor do que ontem mas ainda cometo erros e magoo as pessoas que amo. Não tem cura, amiga.
      Estava vendo seu apelido e lembrei do meu, só mudava o inseto: mosquito. Mosquito elétrico. rsrsrs
      Obrigado por suas palavras de incentivo, elas é que me fazem persistir.
      Um enorme abraço
      Alexandre

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