"É preciso sair da ilha para ver a ilha.
Não nos vemos se não saímos de nós"
(José Saramago)
É preciso sair para mergulhar em si mesmo? Prego aqui nesse espaço, há quinze anos, que o melhor auxiliar no tratamento do TDAH é o autoconhecimento. E tentarei explicar o porquê.
Em geral, levamos a vida aos trambolhões, levamos uma vida reativa, uma vida na defensiva. Desde pequenos erramos mais que os outros, somos punidos ou advertidos mais que os outros e, com isso, nos justificamos mais que os outros, tentamos mais que os outros. E, normalmente não conseguimos. A adolescência e a vida adulta em nada diminuem essa vida de justificativas e tentativas frustradas. Só nos erguemos para repetir as quedas anteriores num redemoinho infinito de desacertos. Inconscientemente criamos estratégias para minimizar as falhas e, em vão, tentamos acompanhá-las para que funcionem.
Como poderemos envoltos nesse turbilhão nos autoconhecer?
Quando fui diagnosticado TDAH, automaticamente comecei uma revisão do meu passado. Eu já tinha cinquenta anos e tinha bastante passado para analisar. E ali comecei a perceber as divergências entre o que eu queria e sonhava e o que acabei fazendo premido pelas circunstâncias impostas pelo transtorno. A partir dessa descoberta comecei a pensar em quem seria eu sem o TDAH.
O que eu sonhava aos dezoito anos?
O que eu queria estudar, que tipo de vida queria levar, quem eu queria me tornar?
E hoje, quem sou eu? Como me posiciono diante dos meus sentimentos?
A partir daí volto-me para o TDAH. Quais os principais sintomas? Onde enxergo nitidamente esses sintomas em minha vida? Onde fui impulsivo, onde explodi, onde procrastinei ao ponto de me prejudicar, onde fui desatento ao ponto de me causar perdas, onde, como e por que perdi os amigos... Pode parecer algo impossível para um TDAH lembrar, mas não é. As grandes falhas, os erros mais grosseiros não nos abandonam, sempre dançam em nossa mente após cada nova falha. E aqui vai um parêntese explicativo aos não TDAHs: o fato de não nos esquecermos dos grandes erros não significa que vamos reconhecer que estamos caminhando para cometê-los novamente. Erraremos de maneira muito semelhante, mas não reconhecemos antes que seja muito tarde.
Pois bem, o que chamo de autoconhecimento é uma comparação entre aquilo que eu desejava e os sintomas do TDAH.
Imaginemos uma situação profissional: detectamos processos falhos, mal feitos, negativos na empresa em que trabalhamos. Na posição que ocupamos, esse seria um diagnóstico desejável. Elaboramos um belo relatório com a situação atual e o que pode ser melhorado. E esse relatório jamais sai do computador. Simplesmente não é enviado. Ao longo do tempo nos mantemos fazendo o básico e não cumprimos a expectativa que tinham de nosso desempenho. De repente, a demissão. Uma desculpa fajuta e tudo acabou. A solução poderia estar no relatório, na capacidade de análise e soluções, mas tudo ficou no computador.
Vamos juntos sair da ilha em que nos confinamos e enxergar toda essa ilha, seus contornos, suas praias, sua fauna e sua flora, aquilo que ela tem de bonito, mas também o que não é tão bonito assim. Sejamos imparciais, mas carinhosos com nossos erros, já temos problemas demais para atuarmos como nossos próprios carrascos.
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