sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A LENDA DO SANTO TDAH




Ontem lembrei-me de um filme que assisti há, no mínimo, quinze anos atrás; chamado 'A Lenda do Santo Beberrão'. Nesse filme, a personagem principal é um mendigo alcoólatra e suas infinitas tentativas de parar de beber.Um filme belo, sensível e muito interessante. Ao longo da história todas as tentativas de abandonar a bebida são sabotadas pelo acaso, o mendigo se depara com garrafas de bebida abandonadas em seu caminho, acorda ao lado de uma bebida sem saber de onde ela surgiu, e assim ele tem nova recaída, suspende o consumo  pela enésima vez para ver-se diante de nova tentação, e nova recaída. O filme termina como seria de se esperar, com a morte do alcoólatra depois de mais uma recaída. O tal santo jamais aparece, a sua existência fica subentendida nos acontecimentos 'fortuitos' que colocam diante do viciado sua maior tentação.
Assim é o TDAH.
Creio que existe um 'Santo' especializado em nos fazer crer que nos curaremos sozinhos, sem medicamento, somente com a nossa força de vontade. E aí temos novas recaídas. E voltamos ao remédio, e nos recuperamos, e voltamos a crer que nos viraremos sozinhos, não precisamos nos encharcar de remédios de tarja preta, sem contar no 'mico' que é entrar numa farmácia e sair dali com um carregamento de ritalina - no meu caso acrescido de sertralina. Mais a despesa...
Pois bem, aí entra o 'Santo'. Ele atua exatamente na sensação de bem estar, da auto confiança que adquirimos ao longo do tratamento e que nos faz sentir forte o suficiente para abandonar o medicamento. Abandonamos, os primeiros dias são ótimos. Não sei se existe um saldo de medicamento em nosso organismo que continua fazendo efeito após sua suspensão, ou o 'Santo' atua no sentido de nos sentirmos ótimos apesar da suspensão do medicamento. Aos poucos, de forma quase imperceptível, vamos retornando à nossa vida pré tratamento. Os velhos prejuízos, as antigas procrastinações, o medo, a insegurança, o sentimento de inferioridade. Até nos metermos de novo em uma grande roubada; volta à nossa mente o tratamento abandonado, uma saudade imensa da 'ritinha', uma vergonha de ter cedido às tentações e fugido da médica , ou do médico. Calçamos a cara, e depois de várias procrastinações e sérios prejuízos, e voltamos ao consultório médico. A pouca coragem de enfrentar a doutora nos faz mentir, inventar tristes histórias para o sumiço. Eles fingem que acreditam, mas nos conhecem o suficiente - e ao distúrbio - para saber que mentimos, que estamos - de novo - no fundo do poço com vergonha e acuados pela doença.
E começa um novo ciclo virtuoso. Novo período de tratamento, volta da confiança, dissolve-se o medo, a procrastinação diminui, e começamos a enxergar uma luzinha no alto do poço. Um ar mais puro, mais fresco nos dá uma enorme esperança de cura, uma cura que não existe, mas que acaba nos iludindo.
E o 'Santo' volta a agir.
É a montanha russa do TDAH.
Escrevo este post hoje para não me permitir cair na ilusão do 'Santo TDAH'.
O canto da sereia está em meus ouvidos, o sonho de abandonar o 'coquetel da loucura' permeia meus pensamentos.
Por isso é importante escrever um blog.
Esse texto não é apenas um diálogo comigo mesmo, mas um pedido de ajuda a cada um de meus leitores e parceiros nesse caminho infinito contra o TDAH.
Como diria o malfadado collor: não me deixem só.

Um comentário:

  1. Por que nos sentimos tão inferiores, piores que o resto do mundo?
    Passei quase a vida inteira como uma pessoa irresponsável, inconsequente, cheia de capacidades, mas desleixada, descuidada, desorganizada, desatenta.
    Aos poucos fui ganhando auto confiança (ajuda da rita), tendo ciência da minha real potência em todos os aspectos da minha vida, como mãe sempre fui cuidadosa, preocupada, mas como esposa (agora ex esposa),muito cheia de vontade, inconformada com a rotina de um casal, o que me levou a pedir a separação.
    Como irmã, muito esquisita, não sabia expressar meus sentimentos de amor profundo pelo meu irmão, como filha as vezes impaciente, rebelde, como amiga, fiel mas com a língua solta e pronta para destilar minha sinceridade ferina a todo momento, o que me fez perder várias amizades.
    As vezes sem paciência para determinadas tarefas, e leituras monótonas, mas super concentrada para outras, a ponto de o mundo acabar ao meu lado e eu não perceber.
    Um comportamento que até hoje me enche de curiosidade, as vezes me fazendo pensar que não faço parte do TDAHismo,doce ilusão, ele está plantado em minhas entranhas,parece correr pelas minhas veias, acho mesmo que para algumas ocasiões ele é vital.
    Parabéns, o seu blog me fez parar na frente do PC por mais de duas horas,e nem vi o tempo passar.
    abraços.

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