Hoje tive que cumprir uma das missões mais chatas do dia a dia, pagar contas no banco. Segunda feira dia cinco é certeza de fila. Aqui estou eu jogando paciência para matar a espera, não gosto de conversar em fila em geral os assuntos são muito chatos e sem graça. Com a paciência passo o meu tempo e espanto os 'conversados'. Mas mesmo concentrado na paciência, o radar não desliga: duas moças em um rapaz conversam animadamente umas dez pessoas adiante, riem, gesticulam e imitam andar a cavalo ou coisa parecida. Atrás de mim uma senhora bufa, resmunga e se remexe tanto que acaba por me esbarrar, imaginei que seu esbarrão fosse um motivo pra puxar conversa e só meneei a cabeça em sinal de desculpas. Até que eu a vi: uma mulher com uniforme de uma empresa saia e casaco iguais,óculos escuros na cabeça ajudando a prender o cabelo crespo amarrado em rabo de cavalo; boa aparência, mas nada demais. O que me perturbou nela foi o acessório que trazia: ela trouxe um banquinho de alumínio, dobrável, bem baixinho e nele estava sentada placidamente brincando com seu celular. Achei aquilo estranho, mas fascinante. Primeiro a cara de pau de ser a única em meio a outras dezenas de pessoas a ter aquele acessório e segundo que eu estava morrendo de inveja. Sentada num banquinho em plena fila de banco! Logo passei a dividir a paciência com aquele banquinho. Fiquei imaginando que se criasse um banco leve, dobrável, mas um pouco mais alto, seria mais legal do que aquele baixinho, que achei um pouco incômodo para movimentar acompanhando a fila. Imaginei camelôs vendendo o novo e revolucionário banco para banco. Poderia ser um sucesso! Aos poucos minha concentração começou a normalizar e percebi que perdia do celular por três a zero na paciência ; retomei-a furiosamente. Um sujeito ao meu lado deu um espirro enorme, tão grande que espalhou uns panfletos de seguro sobre o balcão. Não consegui detectar se mais alguém viu o espalhafatoso espirro, se viu ninguém se manifestou. Nesta altura está três a dois para o celular na batalha da paciência, me recupero rapidamente. Tive de suspender a paciência para rir, internamente, do mega espirro. Nesse momento o sujeito que está na minha frente gritou: e aí, entrou na água? No outro lado da fila o interlocutor apenas riu...
Nesse momento esse post começa a brotar na minha cabeça. Creio que será interessante, mesmo sob tratamento a mente não para. E na verdade eu acho isso até legal. Bem administrada a enxurrada mental pode ser útil e até divertida. Isso é que é legal de se saber TDAH, a gente fica atento e começa a perceber as manifestações do transtorno.
A fila anda, três pessoas à minha frente a moça avança impassível com seu banquinho. Todos a olham de soslaio e, creio, a invejam como eu. Perninha cruzada ela parece trocar mensagens no celular com a placidez de quem está em casa.
A duras penas a fila avança, entramos na reta final, a moça ergue-se de seu banquinho e despistadamente tenta desmontá-lo, Nota-se sua falta de intimidade com o acessório, ela puxa, aperta, empurra, e ele ali, firme, impavidamente aberto. Estou tão embevecido com a moça do banquinho de alumínio que não percebi que o alarme tocou. Alguém me alerta e vou para o lado errado...
A partir desse ponto estou escrevendo em casa, enquanto estava no caixa do banco descobri que participava de um grande momento, a estréia da Beatriz (esse é o nome da moça) e seu banquinho de alumínio. As moças dos caixas começaram a perguntar como, por que, quando, se ela não se envergonhava e coisa e tal. Um senhor na fila percebeu a dificuldade de Beatriz em fechar o banquinho e deu a dica: " puxa essa argolinha aí que o banco fecha". Pronto, banquinho fechado, guardado em uma sacola de tecido e saio do banco.
Fim de festa!
Pela primeira vez uma fila de banco foi divertida, foi até interessante, graças ao conhecimento que adquiri de mim mesmo. O que me chamou a atenção foi a multiplicidade de interesses, a variedade de estímulos que me tiraram a atenção do meu objetivo inicial que era jogar paciência no celular. Em cerca de uma hora eu joguei seis partidas de paciência ( três a três, placar final ), imaginei inteiro e criei grande parte desse post, além de observar fatos interessantes nessa fila de banco.
Conseguir observar 'de fora' o mecanismo do TDAH em funcionamento é muito legal. Criar um post em cima disso é ainda melhor.
A cada dia me convenço de que o auto conhecimento, o auto policiamento, são tão importantes quanto o tratamento. Aprender a enxergar o TDAH é fundamental. Aprender a tirar proveito dele é o maior segredo para não, apenas, sofrer seus efeitos.
Ao infinito e além!
Eu até gosto de esperar em fila de banco... Sem obrigações, só esperar a hora de ser chamado... enquanto isso, viajo a vontade...
ResponderExcluirRealmente Peregrino, depois de ontem passei a encarar a fila de banco de outra forma.
ExcluirUm abraço
Alexandre
É isso ai mesmo,as vezes até cansa como ficamos o tempo todo ligado ou desligamos de uma vez nao é mesmo?é como se o corpo pedisse ajuda...
ResponderExcluirEm alguns momentos quase nos esgota.
ExcluirQuando achamos algo que nos interessa, nos absorvemos por completo e nos desligamos do mundo.
Às vezes precisamos de uma pausa, um momento para refrigerar a mente.
Obrigado pelo comentário
Alexandre
Quando ainda não sabia que tinha tdah tinha dia que me ocupava somente a ficar num quarto escuro desfrutando da calmaria,do silencio...talvez era o meu jeito de não ter estímulos visuais e nem auditivos,sem saber tentava as vezes descansar minha mente.
ResponderExcluirÉ, as vezes precisamos criar estratégias para acalmar o TDAH; em muitos casos ele nos leva ao esgotamento mental em outros esgota quem convive conosco.
ExcluirÉ um transtorno cruel mas precisamos estar atentos para aprender a conviver com ele e domá-lo, reduzindo sua intensidade.
Um abraço e obrigado
Alexandre
Admiro seu desprendimento de falar o que ocorre na sua mente de tdah
ResponderExcluirObrigado, é uma terapia para mim.
ExcluirEscrever os posts e acompanhar os comentários me fazem um enorme bem. Talvez mais para mim do que para meus leitores.
Um abraço
Alexandre
Porque será que ter tdah parece não ser uma doença e sim um defeito?
ResponderExcluirO TDAH é muito sutil, é invisível. Nós não babamos, não avançamos nem nada de muita pirotecnia. Esse é o problema, levamos uma vida quase normal, os deslizes que cometemos são facilmente confundidos com defeitos de personalidade. Some-se a isso a ignorância a respeito do transtorno...
ExcluirUm abraço
Alexandre
Voce ja se sentiu discriminado?
ResponderExcluirNão que eu me lembre, ou que tenha prestado atenção.rsrs.
ExcluirAinda bem;
Obrigado
Alexandre
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