quarta-feira, 10 de outubro de 2012
O NAVIO FANTASMA DO TDAH
Em uma noite sem lua, sob intenso nevoeiro navegava a pequeníssima nau do comandante portador de TDAH. Se o mar não estava calmo tampouco estava revolto. Exigia atenção e cuidado mas não medo. Então o portador segue sua rota, afasta-se da costa, venceu um dia nublado com perícia; ao fim da tarde uma chuva encorpada com raios e muitas nuvens negras ocultaram definitivamente a lua que havia surgido tímida no céu. Naquela hora, já em meio à madrugada o oceano se alisava, dois terços da viagem já tinham sido cobertos, uma relaxada já parecia possível. Mas, antes do relaxamento fazia-se necessária uma conferência geral: motores, equipamentos, meteorologia, conferir se mantinha-se na rota pré determinada...
O relax iniciou-se um pouco antes do que deveria; a viagem seguia tranquila naquele momento, quantas vezes já havia feito a mesma viagem, a mesma rota, o mesmo oceano. O ouvido experiente reconheceu facilmente a qualidade do ronronar dos motores; não era preciso checar visualmente. Uma leve consulta aos equipamentos, assim, de longe, enquanto caminhava para a cabine. Uma olhadela rápida à previsão do tempo mostrou pequena possibilidade de nova chuva ao amanhecer.
Mas, seria apenas um cochilo, sentado mesmo, poucos minutos.
Em sono profundo nosso portador de TDAH não ouviu o silenciar de um dos motores. Rateou, rateou, rateou, até silenciar-se por completo. Um vento forte começou a soprar e tirar o navio levemente da rota, nada disso foi percebido pelo navegante sonolento. Na verdade, somente os primeiros raios e trovões despertaram o comandante daquele navio já à deriva. Ao encaminhar-se para a cabine a primeira coisa que percebeu foi a falta de um dos motores. Correu à casa de máquinas e deparou-se com um motor absolutamente imóvel todo lambuzado de óleo. O combustível vazara por muito tempo antes de imobilizar aquele motor. Entorpecido pelo sono, surpreso e contrariado pelo motor danificado o comandante TDAH assume o leme do navio. Sabia que não podia forçar o único motor que ainda funcionava e reduziu ainda mais a velocidade; e então teve a segunda surpresa da madrugada: estava completamente fora da rota; sem um dos motores, os fortes ventos e a correntes marítimas aos poucos conduziram aquele navio sem timoneiro a caminhos jamais percorridos pelo comandante TDAH. A primeira e óbvia reação: retomar o rumo original mas isso tinha um custo, teria de enfrentar as fortes correntes do oceano tendo ainda como agravante a tempestade com rajadas de vento fortíssimas que vinha chegando. Naquele momento a melhor solução pareceu-lhe retroceder, voltar para a casa. Mas voltar cobraria um preço que ele não estava disposto a pagar: o julgamento de seus pares. Ainda que velado, ele sabia que seria julgado por sua incompetência, sua negligência. Expor-se a esse julgamento estava fora de cogitação. A opção seguida foi a de deixar que as correntes decidissem seu caminho; aos poucos, tentaria contornar a tempestade. Já havia enfrentado outras maiores e saíra-se muito bem. E assim foi. A madrugada avançava e o dia não aparecia. Estranhamente, quanto mais ele navegava mais densa ficava a noite. De repente, uma enorme massa surgiu no radar; as luzes do navio começaram a piscar e o segundo motor rateava perigosamente. Um enorme arrepio subiu-lhe pela coluna até a base da cabeça; diversas vezes já ouvira falar nesse conjunto de sinais, exatamente naquela ordem: aparece no radar, as luzes começam a falhar, o motor falha e então ele surge.
Estarrecido, imobilizado pela cena espetacularmente terrível, o comandante TDAH viu surgir das profundezas do oceano negro o enorme navio fantasma. O esqueleto esfarrapado e gigantesco que ele jamais havia acreditado existir estava agora diante dele e vinha em alta velocidade na sua direção. O choque destruidor era inevitável. A reação desesperada e visceral de acelerar ao máximo o combalido motor e, de praticamente golpear o leme numa direção oposta ao fantasmagórico oponente fez seu navio adernar de forma ameaçadora. O choque era inevitável mas foi muito menor do que se houvesse ficado imóvel. Com o casco danificado, vários equipamentos inoperantes e sem ter a menor ideia de onde estava ou para onde deveria ir, o comandante TDAH acelerou ao máximo o motor derradeiro. O navio fantasma descreveu uma enorme parábola e começou a retornar em sua perseguição. Mais um golpe daqueles e seria o fim.
Instintivamente sabia que a velocidade do navio fantasma era superior à sua e só um golpe de sorte o salvaria. E ele veio. Ao golpear o leme sem saber para qual direção, o comandante TDAH retomou a rota correta e, um vez nela, colocou-se de frente para o nascer do sol. E ele nasceu, e ao nascer levou com ele o navio fantasma que necessitava da noite mais densa para agir. Ao ver os primeiros raios de sol o comandante sabia que estava salvo. Suas lágrimas misturavam-se ao seu sorriso e ele comemorava sua vitória, havia escapado do implacável inimigo.
O sol trouxe um mar liso, um dia claro sem nuvens. Esgotado o comandante TDAH foi avaliar os estragos. E eles eram muitos e graves. Mentalmente fez uma estimativa dos gastos e concluiu que a melhor solução seria vender aquele navio e adquirir um outro menor, mais barato, quem sabe até mais rápido.
E então ele chorou. Sozinho na ponte de comando ele reconheceu para si mesmo que, mais uma vez, ele fora o responsável pelo seu desastre. Negligenciou as conferências básicas, ignorou os avisos dos equipamentos e achou-se a cavaleiro da situação. Descobriu com um altíssimo custo que estava errado.
Mais uma vez teria de se desfazer de seus bens, de reduzir sua capacidade, para adequar-se a uma nova realidade imposta por ele mesmo.
Por entre as lágrimas ele divisou a silhueta de sua terra querida. Ali estava de volta, em segurança. Abatido, danificado, mas vivo.
Naquele momento ele entendeu que seu papel naquela sociedade poderia ser diferente, não exatamente como um navegador, mas como um farol! Um farol que clareasse a noite mais profunda e que mostrasse aos outros navegadores como evitar os perigos que aquela travessia poderia oferecer-lhes.
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