Ganhar na mega sena.
Ser sorteado no bingo.
Encontrar um velho conhecido na rua procurando alguém exatamente com o seu perfil para contratar para um excelente emprego.
O acidente que o deixa quase à morte e leva as pessoas da família a o valorizarem e reconhecerem os próprios julgamentos a seu respeito.
O amor imortal que não se cansa, não se desgasta, não fenece.
O reconhecimento, ainda que tardio, da Academia Brasileira de Letras.
Um olheiro anônimo de uma grande gravadora que descobre seu desconhecido talento musical.
Ou simplesmente um fato que, inesperadamente, resolva os maiores problemas que enfrenta.
Não! Isso é fruto da inadaptação do TDAH ao mundo atual. Ou ao mundo de sempre. Se o sonho existe, é para ser sonhado. Todos sonhamos. Uns o sufocam em prol da realidade. Outros o alimentam e se descolam da realidade. O TDAH não o controla. Uma torrente de pensamentos assola nossa mente. Sonho e realidade se alternam e se misturam. Se sobrepõem e se substituem. Se completam e se destroem. No mesmo segundo, no mesmo assunto, no mesmo fato, nossa mente é capaz de forjar teorias concretas e factíveis que serão imediatamente sobrepostas por um desejo irracional de que a situação seja resolvida num passe de mágica.
Na era da informação e da racionalidade, o TDAH poderia ser representado por aquele que ainda acredita que dar três pulinhos e pedir a São Longuinho ajuda a encontrar um objeto perdido. No nosso caso que tudo perdemos, de três em três pulinhos acabaríamos dando a volta ao mundo ao fim de uma semana...
E quando a realidade começa a ser muito dura, damos asas a essa imaginação. Deixamo-la dominar nosso dia a dia. Basta que saiamos do foco, que nossa cabeça se descole da utilidade e um pensamento irreal toma seu lugar. Quantos de nós já perdeu o ponto de descer do ônibus... Quantas vezes chegamos dirigindo a um destino sem nos recordarmos do caminho percorrido... Quantas discussões poderiam ter sido evitadas se ouvíssemos o que diziam em lugar de estar viajando em outra estratosfera...
Antes que chovam as críticas, muitas pessoas passam por situações parecidas e não são TDAHs. A diferença é que no TDAH isso é rotineiro, é constante, se repete inúmeras vezes. TDAH é incontrolável! TDAH é inconsciente! TDAH é prejudicial! Isso diferencia o TDAH dos 'trouxas', como se dizia no Harry Potter.
Lembro-me, no começo do tratamento, de chegar ao fim do dia tendo resolvido e lembrado de várias coisas de pensar exatamente assim: Então é assim que as pessoas que se lembram agem... Era para mim uma novidade. E ainda é surpreendente.
TDAH não é sonhador por escolha. Sonha acordado porque tem imensa dificuldade de agir sob as pressões cotidianas; porque teme não saber resolver o que se apresenta; porque sonhar é um alento; porque é portador de TDAH.
E então, casa-se com um (uma) racionalista empedernido. Ahhhh, que maravilha de vida! Um cônjuge que tudo resolve, tudo soluciona, é tudo - e sempre - praticidade. E os choques começam; porque começam em qualquer relacionamento. E o jeito sonhador, romântico, aéreo, engraçado, dos tempos de namor, começam a irritar na vida prática. O esquecimento folclórico de antes vira proposital.
_ E essa mania insuportável que você tem de acreditar em histórias da carochinha já me encheram o saco!
Novas promessas e tentativas de ancoragem na realidade; remédios, terapias; tentativas... Ou então novos relacionamentos, novos sonhos, novas tentativas de viver no mundo da lua, a dois. As intermináveis tentativas...
A vida pede concretude, e pune os sonhadores.
Por isso rechaço quem afirma que a criatividade ou essa capacidade de sonhar do TDAH é benéfica. Não é, na medida em que esses atributos não são domáveis e não são concretizados. Nada mais são do que uma infindável cachoeira de imagens que se sucedem sem controle e sem fim.
E muitas vezes, essa tal cachoeira nos afoga...
O trecho que diz que "a vida pede concretude e pune os sonhadores" é a síntese só TDAH, pois sonhamos quando deveríamos agir e fazer.Eu sei disso, pois fui punido pela vida.
ResponderExcluirA vida é prática,né Leonardo, e nós não somos nada práticos. Infelizmente pagamos o preço desta inadaptação. Também já fui punido várias vezes, e ainda sou.
ExcluirUm abraço