Está tudo certo, é o mesmo trabalho que é feito há dois anos e o chefe faz uma pergunta corriqueira sobre o trabalho: os lançamentos estão em dia ? Ou : Você encaminhou aquele e-mail ?
Nesse instante bate uma dúvida... Os batimentos aceleram, as borboletas se agitam no estômago e vem a resposta : Sim. Mas um sim sem convicção. Um sim que traz em seu bojo o medo de haver erros, um medo de faltar lançamentos, de o tal e-mail ter tido uma resposta que não foi percebida...
E assim , segue a vida.
Uma vida povoada de dúvidas ,de incertezas, de desconfiança em relação a nós mesmos .
Fiz mesmo?
E o pior, o contrário também é possível. Há muito tempo não retruco mais quando me dizem que fiz ou disse determinada coisa que não me lembro. Centenas de vezes eu briguei e discuti alegando que estavam colocando palavras na minha boca, que eu jamais disse aquilo. E havia dito. Ou feito. Depois que me descobri TDAH parei de discutir sobre isso. Claro que a princípio eu nego, mas se a pessoa começa a dar detalhes da conversa eu logo desisto.
Todos esses episódios povoam nosso dia a dia, nos transformando em pessoas inseguras, aprofundando ainda mais nosso sentimento de inferioridade.
Já disse isso num post antigo, no momento em que ergui as portas de aço da minha primeira loja de tintas eu pensei: quanto tempo isso vai durar? Foi algo tão negativamente forte que eu jamais me esqueci.
Eu sabia que iria fracassar.
Imagine conviver com esse tipo de sentimento. E isso não é um sentimento ocasional, faz parte da nossa personalidade, faz parte do nosso acervo de cicatrizes. Desde a infância ouvimos críticas por não completarmos o que começamos, ou os elogios vêm acompanhados de um 'mas... ' Ele é um bom aluno, mas não para quieto. Ele é um garoto esforçado, mas não para de falar um segundo. Ele é bom aluno, mas os cadernos dele são muito bagunçados.
Assim vai se construindo a personalidade do TDAH. As conquistas sempre virão acompanhadas de um 'mas...'
Temos sim medo do fracasso. Muitas vezes superamos o temor e conseguimos vencer os desafios. Mas nosso maior sucesso é a sobrevivência. E até a isso devemos ao TDAH. A infinita capacidade de renascer vem de uma certa falta de noção da realidade. Temos quedas épicas, repletas de testemunhas, mas seguimos adiante aparentemente incólumes. E na maioria das vezes, saímos incólumes mesmo. E não é por mérito ou falta de caráter ou de sensibilidade, mas por um apagamento das sensações experimentadas por aquele revés. O mesmo apagamento responsável pela repetição dos erros anteriores. Como se não aprendêssemos com os erros. E não aprendemos mesmo. Exatamente porque o erro não nos marcou ou marcou momentaneamente. Ao nos defrontarmos com uma situação semelhante àquela já vivenciada, não a reconhecemos e agimos exatamente igual agimos anteriormente. E somos punidos por algo que sequer lembramos, ou não temos consciência de haver errado.
Muitos a esta altura dirão: mas então é melhor identificar-se portador de TDAH desde o princípio. AO que responderei com uma pergunta: Que princípio? Identifique-se TDAH numa entrevista de emprego e fatalmente será descartado. Objetivamente falando, ninguém vai contratar uma pessoa com dificuldade de manter a atenção, o foco, desorganizada, sujeita a ataques de fúria, impulsiva... Li recentemente que empresas do mercado financeiro estão procurando autistas para trabalharem com os complexos cálculos que a função exige; o autista é hiperfocado, tem uma memória absurda e, em grande parte, não é muito sociável, o que durante o expediente é ponto positivo. Então, se declarar TDAH é fora de questão.
O Dr Russel Barkley afirma que o mais eficaz é adaptar o ambiente de trabalho/estudo em que o TDAH exerce sua função. Sem se declarar TDAH, é importante que criemos rotinas e processos que devemos seguir rigidamente para evitar erros. Planilhas, post-it, agenda física ou de celular, todas são ferramentas importantes e úteis para diminuir o estresse de responder ao chefe as coisas mais banais e corriqueiras.
Mas para eliminar o medo do fracasso é preciso muita terapia, muito tratamento e muita mudança de vida. Para nós adultos é ainda mais complexo, ao longo da vida criamos instintivamente estratégias de sobrevivência que, na verdade, perpetuam os erros ou os agrava. mas que são extremamente difíceis de se livrar. Algo como pisar torto para evitar uma dor crônica na parte interna do pé, por exemplo. Ao longo dos anos você pode criar um desvio da coluna ou do quadril com piores consequências do que a dor que tentou evitar.
Claro que não é impossível, mas também não é fácil. Exige muita disciplina, atenção, auto conhecimento e conhecimento da doença. Características que não nos são muito presentes, mas que nossa infinita capacidade de renascimento acaba por nos propiciar aprender e adquirir.
Acho que vou dizer isso eternamente: É muito bom não me sentir sozinha.
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