quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

HIPERATIVO, EU ?



Fui uma criança normal.
Aos três anos gostava de atravessar as ruas da cidade sózinho.
Minha mãe, mulher insensível, não permitia e segurava minha mãozinha contra minha vontade. Minha reação era normalíssima:
cravava-lhe os dentes nas costas da mão e assim atravessávamos as ruas da Juiz de Fora da década de 60.
As mãos de mamãe viviam roxas e com marcas dos dentinhos de seu menino.
Um belo dia, cansada daquelas cenas, minha mãe apelou.
Haviam inaugurado o primeiro prédio com elevador da cidade; Edifício Regina (em frente ao Cine Central). Atravessamos mais uma vez a rua Halfeld daquela maneira original e prática: eu pendurado pelos dentes à mão de minha mãe. Pois bem, ao se ver diante da portaria do edifício Regina, minha mãe teve uma brilhante idéia: atirou-me prá dentro daquela caixa que subia e descia e aplicou-me uma surra de 16 andares. Oito subindo e os mesmos oito descendo.

Segundo ela, foi a última vez que atravessamos a rua daquela maneira.
Hoje em dia damos risadas dessa situação esdrúxula, mas eram os primeiros sinais do que ainda estava por vir.
Assim passei minha infância normal. Um garoto alegre, brincalhão, simpático, pura energia. Ganhei o sugestivo apelido de mosquito elétrico dado por meu padrinho.
Meus pais contam que certa vez, em viagem de ônibus para Belo Horizonte, o menino normal, decidiu caminhar pelo corredor do ônibus. Ao se ver impedido pela malvada mãezinha, apliquei-lhe uma série de chutes nas canelas. Mais uma vez a terapia do sossega leão foi aplicada. Meu pai trocou de poltrona com minha mãe, e a cada chute recebido ele me aplicava outro. Segundo ele eu acalmei. Com as canelas roxas como as da minha mãe.
Fui crescendo, fui Lobinho durante uns seis ou oito meses. Mais tarde empolguei-me com o Judô. Me dediquei de corpo e alma. Uns 12 ou 18 meses. No máximo.
Nessa altura meus pais começaram a desconfiar que eu era fogo de palha.
Uma enorme labareda de pouca duração.
Ao Judô seguiu-se a natação, o handebol, o atletismo...
A cada época um esporte diferente. Sempre com menos de um ano de dedicação absoluta. E claro, a cada esporte um investimento em uniformes, mensalidades, etc, etc.
Eu tinha uma noção de hora bastante particular. Saía para brincar após a aula e desaparecia. Só voltava altas horas da noite. Jamais soube a que horas eu chegava, nunca me contaram. Mas, pelo desespero da minha mãe devia ser bem tarde. E lá vinha o simpático moleque cantarolando e assoviando. Chegava em casa e plaft! O tabefe cantava.
- Onde você estava menino ? Não viu que já estava escuro? Que a lua já está no céu?
Não, não tinha reparado. Prá mim tinha pouquíssimo tempo que havia saído prá brincar.
Certa vez minha mãe escondeu-se atrás da porta da cozinha, por onde eu sempre entrava. Custei a entender a saraivada de tabefes que caíram sobre mim.
Hoje em dia é muito engraçado você pensar numa mãe escondida atrás da porta para surpeender seu filho que chegava tarde pela enésima vez.
Coitada! Já devia estar desesperada.
Um pequeno resumo: tive ao longo da minha "carreira" infantil 18 (dezoito) fraturas. Não, você não se enganou nem é um erro de digitação. Dezoito fraturas. Todas , digamos, sem muita importância. Em geral, dedos dos pés e mãos. Incontáveis cicatrizes pelo corpo. No extinto hospital Cotrel eu era conhecido pelos médicos pelo nome. O falecido Dr Centejas me via e exclamava: Alejandre, estás aqui de nuevo!!!
Eu era aquele que corria mais rápido, que subia no galho mais alto das árvores, que escalava os barrancos mais íngremes, que trepava nos muros mais altos. Consequentemente, o que caía mais vezes de lá.
Aos sete anos realizei uma de minhas maiores proezas. A prefeitura estava canalizando um córrego que cortava boa parte da cidade para fazer uma avenida, hoje avenida Independência, uma das principais artérias de Juiz de Fora. Pois bem, próximo à minha casa, fizeram um enorme buraco e lá dentro trabalhava uma draga gigantesca. Parecia um enorme dinossauro mastigando toneladas de lama e dejetos. Esse córrego era, na verdade, o esgoto de boa parte da zona sul de Juiz de Fora. O menino normal, adorou aquela cena. Eu queria ficar ali, no último torrão de terra à beira da cratera atirando pedras naquele enorme dinossauro de aço. Minha mãe, outra vez ela, não deixou, sob o argumento insensato de que eu ia acabar caindo lá dentro. Diante da minha insistência em permanecer pendurado à beira da cratera, minha mãe me arrastou para casa. Imagine a cena: uma senhora arrastando seu meigo filhinho aos urros pela rua. Foi assim. Eu me debatia, chorava e gritava e ela, insensível, me arrastava para casa. Lá chegando, minha mãe me colocou de castigo em meu quarto. proibido de " por o nariz prá fora".
Mas é estranho, como os adultos podem ser ingênuos, meu Deus.
Minha mãe me deixou ali, fechou a porta e foi cuidar da vida. Nem atinou para o fato de que morávamos num apartamento térreo, sem grades nas janelas e meu quarto era de frente para o corredor do prédio.
Vocês já imaginaram o resto. Peguei meu carrinho de plástico verde, que tinha um longo barbante amarrado, saltei silenciosamente a janela e fui ver a draga.
Uma vez à beira do buracão, eu comecei a passear ao seu redor puxando meu carrinho. Claro que beeeeeemmmmm pertinho da beirada. Uma hora a tal beirada não resistiu. Em segundos eu estava mergulhado no esgoto. Que prá minha sorte era raso. Levantei-me aos prantos, escalei o barranco e voltei prá casa. Atrás de mim vinha um senhor esbravejando contra as mães de hoje em dia que não cuidam dessas crianças....
Minha mãe conta que, quando ouviu meu choro (que na verdade era um escândalo) logo imaginou: " o Alexandre caiu dentro do buraco".
Saiu correndo e me encontrou no corredor do prédio ensopado, imundo e fedido, puxando aquele carrinho em estado igualmente deplorável. Também aos berros minha mãe chamou a empregada e com baldes de água "tiraram o grosso da sujeira" ali mesmo, no corredor do prédio . Depois me levaram para o tanque de lavar roupas e me deram mais uns dois banhos. Dali fui para o chuveiro e por fim um banho com Fisoex, um medicamento desinfetante que existia na época.
Acho que não preciso dizer o tamanho da surra que levei.
Hoje em dia, brinco com minha mãe perguntando se ela tem saudade de minha infância. A resposta é sempre a mesma: Deeeeeuuuussss me livreeee!
Engraçado, eu não era o típico menino malvado! Não era respondão, não fazia maldades, nada disso. Eu apenas não tinha freios. Eu não filtrava ou não pesava o que me vinha à cabeça. Eu fazia!
Além de cantar e assoviar eu era um exímio imitador. Latia, cacarejava, cantava como um galo, zurrava...
Acabei por levar meus dotes artísticos para a sala de aula. Os professores amaram minhas prendas onomatopaicas. Virei o terror dos professores.
Acabei reprovado na sétima série. Claro que por perseguição dos professores. Um menino tão normal...
Iniciei aí minha luta sem tréguas contra a matemática e a física. Em todas as suas versões, tipos e variações. Claro que fui derrotado. Jamais aprendi nenhuma das duas.
Por essa época começou a se manifestar muito claramente minhas falhas de memória. esquecia tudo e todos.
Por várias vezes saí de casa com a tarefa única de comprar pão numa padaria que distava míseros quatro quarteirões de casa. Pois bastava encontrar um conhecido pelo caminho e adeus lanche. Por ali ficava batendo papo e esquecia da vida. em algumas oportunidades meus pais mandaram minhas irmãs buscarem o pão comigo. Noutra meu pai mesmo foi ver o que estava acontecendo. Em todas elas me encontraram pelo caminho batendo papo e morrendo de rir com os amigos. E o pão debaixo do braço. Amassado, murcho... Isso quando eu encontrava os conhecidos na volta. Em algumas oportunidades nem chegava na padaria.
Uma bela manhã recebi uma incumbência de minha mãe:
- Vá no Joaquim Camiseiro pegar a camisa nova de seda do seu pai, na volta passa no Belinni e traga 5 kgs de batata.
Lá fui eu. Joaquim camiseiro, Belinni e casa.
Mal entrei e minha mãe perguntou:
- Deixa eu ver a camisa nova do seu pai!
Naquele instante eu visualizei o embrulho da camisa em cima da banca de batatas do Belinni. Voltei lá correndo como um louco, mas já era. Alguém ganhou uma camisa nova, zero quilômetro. Meu pai jamais a vestiu.
No Natal de 1972, ganhei minha primeira bicicleta!
Uma monareta vermelha, linda!
Gostei tanto que dormi abraçado a ela. Meus pais contam que tiveram que nos separar pois ela parecia que iria cair sobre mim.
Logo nos primeiros dias, depenei a bicicleta. Retirei paralamas, carregadeira e todos os pinduricalhos que a enfeitavam e que, na minha ótica, deixavam-na mais pesada e portanto, menos veloz. Nos tornamos amigos inseparáveis. Ela me proporcionou incontáveis alegrias, cicatrizes e fraturas. O mesmo destemor que exibia a pé, eu exibia sobre ela. Eu descia a estrada do aeroporto apostando corrida com os carros. Em algumas oportunidades, eu perdia o controle, não consegui fazer a curva e me esborrachava no matagal que circundava a estrada.
E nada parecia capaz de me deter. Muitas vezes, mesmo sangrando ou com um um dedo quebrado, eu tornava a subir na bicicleta e sair de novo em desabalada carreira.
Aos quatorze anos comecei a fumar. Logo, logo, meu pai descobriu. Fez mil ameaças, disse que iria me fazer engolir o cigarro e coisa e tal.Quando viu que não tinha jeito, resolveu me dar uma lição. Me colocou para limpar seu escritório para que eu mesmo pagasse meu cigarro. O que ele imaginou é que eu iria me envergonhar daquela situação e preferiria abandonar o vício a deixar que meus amigos soubessem. Ledo engano. Em poucos dias contei prá todo mundo que pitoresca situação eu me encontrava, morria de rir daquilo e continuava fumando. E bastante. Nos primeiros dias, mexi numa máquina registradora. Registrei vários valores que deixaram os funcionários loucos no dia seguinte. Não havia meio de o caixa fechar.
Acabei despedido do emprego em pouquíssimo tempo.
Aos trancos e barrancos tirei o primeiro grau.
Entrei na adolescência carregando minha alegria, meu esquecimento, minha indisciplina e minha incapacidade de cumprir prazos.

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